Nova lei laboral é um “presente envenenado” para o trabalhador
“A nova lei procura encontrar um equilíbrio de impossíveis. Se, por um lado, resulta da Exposição de Motivos que pretende proteger os trabalhadores, nomeadamente ao nível da contratação a termo, por outro lado, vulnerabiliza-os no período experimental e nos contratos de muito pouca duração”, afirma Eduardo Castro Marques, socio da Cerejeira Namora, Marinho Falcão & Associados. Nessa medida, “esta lei traduz--se num presente envenenado para o trabalhador, que, como é sobejamente sabido, é a parte mais leiga e débil da relação laboral”, acrescenta.
Vida Económica - A Lei nº 93/2019, de 4 de setembro, que entra em vigor a 1 de outubro, procedeu a várias alterações ao Código do Trabalho. Considera serem positivas as alterações?
Eduardo Castro Marques - Apesar de o Código do Trabalho, desde 2003, ter sofrido dezenas de alterações, a verdade é que esta assume contornos especiais.
Quer os partidos que aprovaram as propostas no Parlamento quer o próprio Governo refugiam-se num acordo de concertação social para evitar a discussão das soluções agora adotadas.
Sucintamente, a nova lei procura encontrar um equilíbrio de impossíveis. Se, por um lado, resulta da Exposição de Motivos que pretende proteger os trabalhadores, nomeadamente, ao nível da contratação a termo, por outro lado, vulnerabiliza-os no período experimental e nos contratos de muito pouca duração. Nessa medida, esta lei traduz-se num presente envenenado para o trabalhador, que, como é sobejamente sabido, é a parte mais leiga e débil da relação laboral.
Assim, é duvidoso que a intenção do legislador seja a diminuição da chamada precariedade das relações laborais ou até a promoção da contratação por tempo indeterminado, mas antes a diminuição artificial da taxa de desemprego por via do prolongamento injustificado do período experimental, cumprindo com os compromissos europeus.
Não poderia deixar de dar especial ênfase à alteração ao regime do período experimental nos trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração para os 180 dias.
Lida e relida a norma em questão, conclui-se que não existe motivo justificativo para o tratamento diferenciado desses trabalhadores.
Até à data, a diferença dos prazos do período experimental residia nas funções que o trabalhador desempenhava, pelo que a alteração corresponde a uma alteração de paradigma.
A norma pode ou não ser inconstitucional – o Tribunal Constitucional dirá – mas que desvirtua a “ratio” do período experimental, disso não existem dúvidas.
Concomitantemente, eliminaram-se essas duas categorias dos motivos da contratação a termo. Não obstante isso, a precariedade – seguindo a tese do Governo - foi meramente substituída, adicionando aos motivos justificativos para a contratação a termo “os desempregados de muito longa duração”.
Em jeito de conclusão, o legislador optou por mudar o paradigma nas relações laborais, acabando por criar problemas, oferecendo poucas soluções efectivas para os que já existem e que exigiam guarida.
Tudo sopesado, o balanço é claramente negativo, constatando-se que o que parecia dar segurança e expectativa de vida aos trabalhadores mostra-se, agora, excessivo e prejudicial.
VE – Que consequências práticas terão no imediato?
ECM - Em primeiro lugar, partilho as minhas reservas quanto ao período para a entrada em vigor da nova Lei, mostrando-se este manifestamente curto, uma vez que oferece pouco tempo aos agentes económicos para se ajustarem às alterações introduzidas.
Assim, olhando apenas para a vida das empresas e uma vez que as novas regras relativas ao período experimental e à contratação a termo só estão a ser aplicadas aos contratos celebrados a partir da 1 de outubro de 2019, ainda terá de se apurar se existiu ou não uma corrida à contratação a termo no mês de setembro de 2019, com vista ao aproveitamento do regime anterior.
De resto, as consequências práticas imediatas da nova lei são residuais, fazendo-se sentir com a progressiva celebração de novos contratos.
Ao mesmo tempo, as soluções introduzidas, como tem sido amplamente noticiado, terão de passar pelo crivo do Tribunal Constitucional, o que acarretará insegurança nas relações laborais.
VE – Que reflexos terão no mercado de emprego?
ECM - O mercado de trabalho português sofre, ainda hoje, de uma excessiva segmentação, problema este a que a Lei 93/2019 não dá resposta.
Na verdade, esta lei veio acentuar a tendência da bipartição do mercado laboral em dois grupos: um, geralmente mais velho, que beneficia de uma segurança contratual maior, e um outro grupo, tendencialmente mais jovem, que convive com os novos paradigmas flexibilizadores do direito do trabalho, que se reflectem sobretudo naqueles que não têm relações bem sedimentadas.
Note-se ainda que alguns reflexos pretendidos pelo legislador não surtirão efeitos práticos na realidade laboral. Veja-se o caso do aumento do período experimental, onde o legislador pretende fazer crer que com este aumento o trabalhador estará a ser protegido, quando, na verdade, este fica mais exposto e com mais propensão ao desemprego.
Não podemos ignorar que o período experimental corresponde a uma fase do contrato em que a legislação protecionista da segurança no emprego não tem aplicação, permitindo a cessação do contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
Aumento de custos para as empresas
VE – Com elas, as empresas terão um aumento de custos de actividade?
ECM - Sim. As empresas que recorrerem à contratação a termo, e que no mesmo ano civil apresentem um peso anual de contratação a termo resolutivo superior ao respetivo indicador setorial em vigor, terão um aumento de custos de atividade, uma vez que o legislador previu para estes casos, a aplicação de uma taxa de rotatividade excessiva.
VE – Se sim, há necessidade de criar medidas compensatórias, nomeadamente ao nível dos impostos e taxas contributivas?
ECM - Entendo que, por agora, não se afigura necessário conjeturar sobre medidas compensatórias. Quanto muito, só depois de estudados os impactos desta Lei no mercado laboral é que se poderá aferir a necessidade da criação de medidas como estas.
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