“Aplicação de poupanças no mercado de capitais deve ser apoiada”;

Carlos Rodrigues, presidente da Maxyield – Clube de Pequenos Acionistas, defende
“Aplicação de poupanças no mercado de capitais deve ser apoiada”
Carlos Rodrigues diz ser “necessária uma política de incentivos à aplicação de poupanças no mercado de capitais”.
É importante criar medidas de apoio à aplicação de poupanças no mercado de capitais, de acordo com o presidente da Maxyield – Clube de Pequenos Acionistas. Carlos Rodrigues explica, em entrevista à “Vida Económica”, que essas medidas permitiriam um aumento do número de investidores individuais nos mercados bolsistas portugueses, “evitando que a poupança seja orientada para aplicações no estrangeiro, contribuindo para a criação de emprego e de riqueza em outros países. “O valor do saldo a considerar para efeito da tributação das mais-valias pode ser um instrumento a utilizar, tal como ocorre presentemente com micro ou pequenas empresas não cotadas em mercados regulamentados”, indica a nossa fonte, que avisa, porém, ser “recomendável uma gestão profissionalizante das aplicações através de fundos”
Vida Económica – Os pequenos acionistas são respeitados pelas cotadas?
Carlos Rodrigues – A Maxyield tem definidos objetivos claros e concretos para as suas atividades: ser uma associação de defesa dos pequenos investidores​, acompanhar tendências dos mercados de capitais e o desempenho do PSI-20, reforçar a atuação conjunta dos seus associados e ser reconhecida pelos agentes do mercado de capitais. Nestes dois anos, a nossa preocupação foi dinamizar a participação dos pequenos acionistas nas assembleias gerais das empresas cotadas – onde hoje somos uma voz credível e mais respeitada. Paralelamente, procuramos que as assembleias gerais não sejam um simples ritual, mas um espaço profícuo para influenciar positivamente a administração e fiscalização destas sociedades, designadamente melhoria da informação da “corporate governance” em matéria de empresas subsidiárias, níveis de realização dos objetivos e avaliação desempenho anual da gestão executiva. A nossa respeitabilidade deverá crescer à medida do aumento da dimensão da nossa associação, sendo o registo na CMVM como associação de defesa dos investidores uma etapa relevante.
 
VE – Qual a carteira investida do vosso associado médio?
CR – A Maxyield agrega um conjunto de investidores, pessoas singulares, que reconheceram as vantagens de se associarem para terem uma participação mais ativa nas empresas do mercado de capitais. No entanto, o Clube de Pequenos Acionistas não é investidor, não pode atuar como intermediário financeiro, nem desenvolver atividades de investimento por conta de outrem. Contudo, podemos indicar que o perfil predominante dos membros é caracterizado por um nível etário elevado, com formação académica a nível superior, interesse na obtenção de níveis adequados e estáveis de rentabilidade a longo prazo de valores mobiliários, é quadro superior, empresário (pessoa singular) ou reformado e tem abertura ao risco inerente à rentabilidade das aplicações financeiras. As decisões de investimento e gestão da carteira é da responsabilidade exclusiva dos associados e não são conhecidas ou controladas pelo Clube.
 
VE – A opinião pública e a comunicação social tendem a generalizar a situação de acionistas, como que assumindo que são todos grandes e ricos investidores?
CR – Essa visão não é aderente à realidade. Temos de distinguir entre pequenos, médios e grandes acionistas das sociedades cotadas, que podem ser pessoas singulares ou coletivas. A importância dos pequenos investidores é avaliada pelo “free float”, que se caracteriza pelo conjunto das participações sociais inferiores a 2%, que no final de 2019 correspondia a 38% do capital das sociedades integradas no PSI-20 e em termos de capitalização bolsista representava 23,5 mil milhões de euros. O “free float” é fortemente suportado por investidores portugueses e internacionais de natureza institucional ou qualificada, alguns deles com dimensão relevante, bem como investidores individuais nacionais a título de pessoas singulares. De acordo com as estatísticas divulgadas pela CMVM, no final de 2019 os investidores individuais nacionais aplicavam no mercado bolsista nacional o valor de 735,7 milhões de euros, que representa 3,1% do “free float”.
Há uma situação muito diferenciada a nível do PSI-20 em termos de participações qualificadas quando olhamos para o peso do maior acionista no capital social de diversas sociedades cotadas. Estas são de até 15% do capital nos CTT, entre 15% e 25% na Altri, EDP, REN, BCP, GALP e Novabase, entre 35% e 50% na Semapa e superior a 50% na Jerónimo Martins, Sonae SGPS, Sonae Capital, Corticeira Amorim, Navigator e Ibersol. Não existem participações superiores a 60% do capital.
Relativamente ao PSI-20, no final de 2019 as participações qualificadas superiores a 2% representavam 62% da capitalização bolsista e o valor de 38,4 mil milhões de euros. A capitalização bolsista no final de 2019 representava 61,9 mil milhões de euros e correspondia sensivelmente a 29,2% do PIB a preços correntes do país. Através da capitalização bolsista podemos avaliar a riqueza aplicada neste mercado por grandes investidores. Relativamente à capitalização bolsista total do PSI-20, os investidores individuais nacionais representavam 1,2%, sendo que a aplicação de 735,7 milhões de euros é feita de forma dominante através de gestão individual, que representa 80% daquele valor.
 
VE – Acha que deveria haver uma situação fiscal diferente para pequenos e grandes investidores e acionistas?
CR – O atual sistema fiscal comtempla em sede de IRC uma situação fiscal diferenciada para pequenos e grandes investidores, que é mais favorável aos grandes investidores e acionistas. Para evitar a dupla tributação, não concorrem para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos com sede ou direção efetiva em território português as seguintes situações: quando os lucros ou reservas distribuídas por entidade na qual é detida uma participação não inferior a 10% do capital social ou dos direitos de voto, ininterruptamente por um período não inferior a um ano; e quando as mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes sociais de entidades onde é detida uma participação não inferior a 10 % do capital social ou dos direitos de voto, ininterruptamente, durante o ano anterior à transmissão. Os lucros ou reservas distribuídas, ou mais-valias obtidas, que tenham origem em entidades com participações inferiores a 10% ou com longevidade inferior a um ano, contribuem para o lucro tributável do sujeito passivo de IRC, beneficiário destes rendimentos. Em sede de IRS, existe uma situação uniforme com a taxação dos lucros ou reservas distribuídas através de taxa liberatória e mais-valias mediante taxa especial, que neste momento se encontram computadas em 28%, sendo passíveis de englobamento nas condições fiscalmente definidas. A discriminação fiscal positiva em função da dimensão dos investidores, sendo desejável para os pequenos acionistas, não pode retirar competitividade ao mercado e eliminar a atratividade dos capitais, pelo que eventuais modificações devem ser feitas com forte sentido de equilíbrio.
 
VE – O que sugere a Maxyield – Clube de Pequenos Acionistas?
CR – Em sede de IRC devem os poderes públicos minimizar a dupla tributação. Quanto ao IRS, o eventual englobamento obrigatório, que venha a ser estabelecido pela política fiscal, dos dividendos distribuídos a pessoas singulares ou mais-valias obtidas deve merecer a maior ponderação, evitando agravamentos da tributação para as aplicações de pequenas poupanças. De acordo com as estatísticas divulgadas pela CMVM, no final de 2019 as aplicações dos investidores individuais nos mercados internacionais atingiam 3276 milhões de euros (4,5 vezes o valor aplicado no mercado nacional), divididos em partes sensivelmente idênticas entre gestão individual e coletiva.
Neste contexto, é premente a criação de medidas de apoio à aplicação de poupanças no mercado de capitais, evitando que a poupança seja orientada para aplicações no estrangeiro, contribuindo para a criação de emprego e de riqueza em outros mercados que são concorrentes nossos. O valor do saldo a considerar para efeito da tributação das mais-valias pode ser um instrumento a utilizar, tal como ocorre presentemente com micro ou pequenas empresas não cotadas em mercados regulamentados. Por outro lado, em sede de IRS, deve ser ponderado o alargamento do período de reporte da dedução de perdas a nível do saldo negativo de mais e menos-valias apuradas em 2020, quando o sujeito passivo opta pelo englobamento.
 
VE – Também no que toca à distribuição de dividendos (ou ausência de distribuição, como se prevê que possa suceder no relativo a 2020), advoga essa discriminação positiva?
CR – Em 2019 as sociedades que integram o PSI-20 apresentaram nas contas consolidadas anuais 3,2 mil milhões de euros de resultados líquidos, tendo o “pay out” atingido 60% daquele valor (1921,4 milhões de euros). Das 18 sociedades do PSI-20, apenas 10 distribuíram dividendos, sendo que uma reverteu parcialmente a sua proposta inicial (a Jerónimo Martins). Por outro lado, das oito empresas que não distribuíram dividendos, três delas reverteram as propostas iniciais (CTT, Navigator e Sonae Capital). No primeiro semestre de 2020, os resultados líquidos das 18 sociedades do PSI-20 atingiram 800 milhões de euros, com uma grande distorção resultante da EDP e EDP Renováveis representarem 71% daquele valor. Neste ambiente disruptivo, existem dúvidas relativamente à remuneração acionista para a próxima “dividend season”. Esta situação vai exigir forte sentido de responsabilidade ao “corporate governance” destas sociedades a nível das propostas de distribuição de lucros ou reservas, remunerações variáveis da gestão executiva e gratificações de balanço.
Devem ser tidos em conta os limites e condicionantes à distribuição de dividendos em 2021, designadamente reversões ocorridas em 2020 (exercício de 2019), robustez patrimonial, resultados do exercício de 2020, necessidades de financiamento de investimento, níveis de endividamento líquido e relação dívida/ EBITDA. Estas situações são muito diferenciadas no conjunto das sociedades do PSI-20. Paralelamente, não podemos esquecer a importância dos dividendos para os grandes acionistas e investidores institucionais. 
 
VE – O cenário de poucos juros nos depósitos bancários torna os mercados bolsistas mais apetecíveis para pequenos investidores?
CR – A remuneração tendencialmente nula dos depósitos bancários torna os mercados bolsistas mais atrativos, mas sujeitos a um nível de risco substancialmente mais elevado. Em regra, aplicações de risco mais elevado proporcionam remunerações mais altas. Contudo, e face à delicadeza da conjuntura atual, é recomendável uma gestão profissionalizante das aplicações através de fundos.
 
VE – Os pequenos acionistas poderão crescer em Portugal?
CR – Neste contexto, existe espaço para crescimento nos pequenos acionistas em Portugal. Porém, não podemos esquecer os riscos associados a estas aplicações e a volatilidade a que estão sujeitas em conjunturas como a vivida presentemente. Contudo, é necessária, como já referi, uma política de incentivos à aplicação de poupanças no mercado de capitais. 
 
VE – As sociedades que compõem o PSI-20 tiveram uma quebra de 57,5% nos resultados líquidos no primeiro semestre, de acordo com as contas da Maxyield. Como antecipam o segundo semestre?
CR – Em 2019, os resultados líquidos semestrais das 18 sociedades do PSI-20 foram de 1,9 mil milhões de euros no primeiro semestre e de 1,3 mil milhões de euros no segundo semestre. Admitindo que no segundo semestre de 2020 os resultados atingem 80% dos lucros homólogos de 2019, obteríamos um resultado anual de 1,8 mil milhões para o conjunto das sociedades do PSI-20, que corresponde a uma redução de 43,75% relativamente ao ano anterior.
 
VE – 2021 poderá ser o ano do regresso à normalidade?
CR – A pandemia de Covid-19 vai afetar estruturalmente os modelos de negócio e os resultados de exploração da maior parte das empresas cotadas, com impacto nas respetivas cotações. Os “price targets” que vêm sendo divulgados revelam que, relativamente ao mercado bolsista nacional, os valores máximos de fevereiro das mais importantes sociedades cotadas não serão atingidos no horizonte dos próximos 12 meses, pelo que o regresso à “normalidade” deve ultrapassar o horizonte de 2021.
Entretanto, o índice S&P500 composto pelas maiores 500 sociedades cotadas na NYSE ou NASDAQ apresentam uma recuperação surpreendente, atingindo valores superiores aos existentes antes do “crash” bolsista. Os mercados bolsistas europeus estão longe deste dinamismo e o seu comportamento indicia a necessidade de tempo para a recuperação dos respetivos índices. A evolução do mercado bolsista português vai depender do termo da epidemia, recuperação das bolsas internacionais e retoma económica mundial, sendo a imprevisibilidade a única certeza com que podemos contar. 
É expectável que os mercados bolsistas antecipem a retoma económica e que posteriormente venham a ser impulsionados por esta. O perfil geral da retoma económica vem sendo genericamente apresentado em forma de U (lenta e prolongada), V (rápida e acelerada), L (grande estagnação), Nike (suave e sustentável) ou W (recuperação com reversão associada à segunda vaga), numa geometria variável dependente da sensibilidade dos diversos setores de atividade e exposição dos espaços regionais ao coronavírus. Contudo, este tipo de retoma económica pode ser artificial. Poderemos vir a ser confrontados com uma retoma económica em forma de K. A barra ascendente representa o consumo de bens de luxo, as FAANG nos EUA, as bolhas imobiliárias e as bolhas bolsistas. A barra descendente representa o desemprego e os setores em regressão.
Neste contexto, o tempo de recuperação do PSI-20 será moroso e lento, mas regressando à “normalidade” num prazo inferior ao verificado nas últimas crises internacionais, designadamente a bolha das “dotcom” (2001) e Lehman Brothers (2008), que foi próximo de quatro anos, mas longe da pujança do início deste século. De igual modo, a recuperação económica do país para níveis anteriores à pandemia, medida pela evolução do PIB, não é previsível antes de 2022.
Aquiles Pinto aquilespinto@vidaeconomica.pt, 15/10/2020
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