Aumento das taxas de juro vai provocar problemas colaterais;

Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe, considera
Aumento das taxas de juro vai provocar problemas colaterais
Ricardo Evangelista defende que é sempre preferível não surpreender com aumentos inesperados.
O recente aumento das taxas de juro em 50 pontos base terá sido o mais indicado. No entanto, os mercados deverão estar preparados para alguns problemas colaterais. Quanto à forma como o BCE resolveu proceder ao aumento, não foi a mais “ortodoxa”, sendo de evitar agravamentos inesperados, referiu à “Vida Económica” Ricardo Evangelista, diretor executivo da ActivTrades Europe.


Vida Económica - A subida de 50 pontos base terá sido a opção mais correta?
Ricardo Evangelista -
Considerando que os últimos dados da inflação na Zona Euro apontam para os 8,6%, aumentar os juros, que se encontravam em território negativo e não subiam há mais de uma década, não parece nada descabido. No entanto, podem surgir problemas colaterais originados por esta subida, que ultrapassou o valor que o banco central tinha anteriormente dado a entender, que era de 25 pontos base. Tais problemas poderão ser, por exemplo, o agravamento do cenário de recessão, devido a retirada do estímulo e a potenciação da subida dos juros da dívida soberana dos países da periferia da região da moeda única.

VE - Não seria preferencial um aumento mais gradual?
RE -
O que teria sido preferencial era que o BCE tivesse preparado este aumento de forma mais ortodoxa.  Neste caso não o fez, deixando antever durante muito tempo uma subida de 25 pontos base e mudando à última da hora para 50. É sempre preferível não surpreender com aumentos inesperados, sobretudo quando os juros da dívida da periferia começam a subir e o anúncio coincide com o estalar de uma crise política em Itália que pode exacerbar ainda mais o problema.

VE - Quais as repercussões esperadas para os mercados?
RE -
Não se pode dizer que os mercados tenham reagido de uma forma muito significativa, pelo menos não no imediato. Isto talvez porque o BCE fez coincidir o anúncio da subida dos juros com a apresentação da sua ferramenta anti-fragmentação. Esta ferramenta servirá para evitar que os juros da dívida soberana dos países da periferia venham a sofrer agravamentos, através de um processo em que o BCE começará a comprar divida desses mesmos países sempre que se registe um agravamento dos spreads desproporcional, face aos fundamentais da economia subjacente, retirando assim alguma da pressão que o mercado poderia vir a exercer na sequência do aumento em 50 pontos base do juro.

VE - A estratégia será eficaz no sentido de um controlo da inflação?
RE -
A  subida das taxas de juro do banco central é uma medida que contribui para tornar o crédito mais caro e acaba por ter um efeito de redução da procura, logo ajudando a controlar a inflação. Ao mesmo tempo, pelo menos em teoria, estas medidas também ajudam a suportar a moeda, o que é positivo para evitar o impacto que a desvalorização pode ter sobre os preços de importações pagas em divisas. Em suma, este aumento dos juros, partindo do princípio de que mais virão, é sem dúvida uma medida que ajudará a controlar a inflaçã.

VE - Como será afetada a economia, especialmente a portuguesa?
RE -
Cada vez mais se perspetiva um cenário de recessão na Zona Euro, em que Portugal está incluído, e a retirada de estímulos monetários, que é o que esta subida dos juros representa na prática, vem com certeza dar mais força a esta expectativa.

VE - Até que ponto vai criar receios nos investidores?
RE -
Esse receio já se vem a notar há algum tempo. A perda de apetite pelo risco dos investidores já era uma realidade antes de o BCE ter anunciado a subida dos juros. Desde que a Reserva Federal dos Estados Unidos deu o mote no princípio do ano, iniciando um ciclo de política monetária restritiva, a aversão pelo risco tem vindo a crescer nos mercados financeiros globais.

VE - Qual o impacto que terá junto do mercado imobiliário, em particular?
RE -
Com a subida dos juros, as taxas Euribor irão aumentar, significando prestações mensais mais elevadas. Logo, embora seja ainda prematuro presumir que será esse o cenário futuro, a subida dos juros pode desencadear um processo que leve a uma queda da procura.

VE - As bolsas também serão afetadas?
RE -
As bolsas são um setor que sofre sempre que o apetite pelo risco cai nos mercados. Desde o final do ano passado, quando a inflação começou a subir e se começou a perspetivar a retirada dos estímulos monetários, as bolsas começaram a cair.

VE - Em setembro é esperado outro aumento. Tem uma ideia de qual será o agravamento e até que ponto se justifica?
RE -
Neste momento, a expectativa é que seja entre 25 e 50 pontos base, dependendo de fatores como os níveis de inflação, os desenvolvimentos ao nível da crise energética e as perspetivas económicas em geral.
11/08/2022
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