Quadro legal do encerramento de contas é complexo;

De acordo com Abílio Sousa, formador e contabilista certificado
Quadro legal do encerramento de contas é complexo
Abílio Sousa defende um pacto de regime no sentido de levar a cabo uma verdadeira reforma fiscal.
A existência de uma declaração de rendimentos para determinar o IRC a pagar faz sentido. No entanto, no nosso país, o quadro legal é complexo e induz em erro. Pelo que se justifica plenamente uma reavaliação da declaração Modelo 22, na perspetiva de Abílio Sousa, formador e contabilista certificado. Em entrevista à “Contabilidade & Empresas”, defende que é o momento para levar a cabo uma verdadeira reforma fiscal. Mas acalenta poucas esperanças de que o poder político chegue a um acordo de regime no que toca a esta matéria.


Contabilidade & Empresas - No âmbito do encerramento de contas, justifica-se, em geral, a existência da declaração Modelo 22?
Abílio Sousa -
Justifica-se a existência de uma declaração de rendimentos que permita determinar o imposto a pagar (IRC) e seu pagamento. Todavia, o quadro legal é complexo e esta complexidade reflete-se na declaração modelo 22. Julgo que muitas das correções constantes do quadro 07 não se justificam. É aceitável que o resultado fiscal não seja exatamente o apurado na contabilidade, mas já não é aceitável que existam tantas diferenças entre eles. É necessário fazer uma análise custo-benefício sobre as correções ao lucro tributável e os seus resultados práticos em sede de cobrança de IRC. Este trabalho nunca foi feito e, por isso, quando as receitas baixam, criam-se novas tributações autónomas ou aumentam-se as existentes, criando assim "novos impostos" sobre despesas e não sobre lucros, o que representa uma distorção total dos princípios tributários subjacentes à criação de um imposto sobre o rendimento.

C&E -  Por certo, existem deficiências. Quais são e como pode o problema ser resolvido?
AS -
A situação carece de uma verdadeira reforma fiscal, com carácter estável e duradouro, o que implica um acordo de regime entre os partidos, coisa que não me parece viável nos próximos anos.

C&E - De uma maneira geral, as empresas têm capacidade para darem resposta adequada às exigências impostas?
AS -
Não. Para dar resposta às exigências fiscais, as empresas necessitam de técnicos qualificados, sejam contabilistas certificados ou mesmo consultores fiscais. As microempresas recorrem, em regra, a serviços de outsourcing.

C&E - O ideal não seria alterar o sistema, sobretudo no sentido de uma maior simplificação?
AS -
Claro, esse é caminho a seguir, mas a simplificação é muitas vezes associada à criação de regimes simplificados, o que não representa a mesma coisa. A simplificação tem de assentar na revisão das regras de apuramento do lucro tributável do regime geral e não através da criação sucessiva de regimes simplificados cuja expressão é muito reduzida quanto ao número de sujeitos passivos que a eles aderem.  

C&E -  A Modelo 22 não é mais uma de toda uma série de declarações, muitas das quais sem sentido?
AS -
Não. A declaração modelo 22 desempenha um papel importante no quadro das obrigações declarativas pelas razões apontadas. No entanto, o conjunto das obrigações declarativas é demasiado extenso e ainda persistem algumas duplicações. Todos os países, de um modo geral, têm vindo a diminuir os custos de contexto impostos às empresas, mas em Portugal ainda não se pensou nisto a sério.  

C&E – Na sua perspetiva, os contabilistas certificados estão devidamente preparados para darem a informação necessária?
AS -
A Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) tem vindo a incrementar a aposta na formação. Constato com agrado que hoje os contabilistas certificados estão bem preparados para cumprirem as obrigações fiscais.

C&E - Os Orçamentos do Estado estão constantemente a introduzir alterações. Justifica-se?
AS -
Não. O Orçamento do Estado não deve ser utilizado como elemento preponderante para efetuar alterações fiscais. Em minha opinião, o Orçamento do Estado só deve ser utilizado para alterações estruturais ou para introdução de medidas anti-abuso que visem colmatar lacunas legais. Infelizmente, verifico que muitas alterações de pormenor enchem os vários Orçamentos do Estado.

C&E - Até que ponto a Modelo 22 permite retirar benefícios para as empresas?
AS -
Não se trata propriamente de retirar benefícios mas sim de os aplicar. Muitas empresas não aproveitam os benefícios fiscais existentes, algumas por puro desconhecimento, outras por dificuldades de aplicação. O nosso Código Fiscal do Investimento é um instrumento legal muito complexo e demasiado influenciado por disposições comunitárias, muitas delas mal transpostas para o quadro jurídico interno.



17/05/2021
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