“Fundos do Portugal 2020 estão a ser desviados para despesa corrente”
“Os fundos comunitários estão muitas as vezes a ser usados para alimentar a máquina do Estado, aliviar o Orçamento de Estado, o que permite investimentos e diria até um certo enviesamento da missão dos fundos estruturais”, afirma Emídio Sousa. O presidente da Área Metropolitana do Porto entende que “este é o ‘timing’ certo para se fazer uma reprogramação” dos fundos comunitários, defende Emídio Sousa.
Com esta reprogramação, “teríamos um impulso novo no crescimento, dada a capacidade de execução que os municípios têm”, sobretudo nas áreas da educação e da saúde.
Com esta reprogramação, “teríamos um impulso novo no crescimento, dada a capacidade de execução que os municípios têm”, sobretudo nas áreas da educação e da saúde.
Vida Económica - Quais são os principais desafios que se colocam à Área Metropolitana do Porto?
Emídio Sousa - Um dos principais desafios num futuro próximo será o assumir de novas competências porque está em curso todo um processo de descentralização de competências que o Governo está a desenvolver. Um dos diplomas atribui novas responsabilidades à Área Metropolitana do Porto e até põe a hipótese de uma eleição direta dos futuros órgãos.
Outro grande desafio é mantermos todo este desenvolvimento, toda esta competitividade do território. A Área Metropolitana do Porto tem vindo a crescer, está a ter uma nova dinâmica, muito impulsionada pelo turismo, o que penso que faz de nós hoje em dia um dos principais pólos de desenvolvimento e atração do território.
Mas eu julgo que não podemos ficar excessivamente dependentes do turismo, dada a nossa fortíssima tradição industrial. A Cintura Industrial do Porto (que engloba a Maia, a Feira, Gaia, São João da Madeira, Paredes…) tem setores tradicionais muito desenvolvidos que precisamos de manter, porque são fatores de grande crescimento e competitividade. Portanto, esta competitividade territorial, toda esta vocação industrial já com dezenas de anos, deve ser mantida.
VE - O turismo também poderá promover o desenvolvimento de alguma indústria?
ES - Neste momento, o turismo está a provocar um grande desenvolvimento, principalmente nos setores da hotelaria e da restauração, e mexe com tudo, desde a recuperação do património à reabilitação e regeneração urbana. Portanto, há todo um conjunto de setores que se desenvolveram associados ao turismo. Obviamente que a componente industrial, a maneira de trabalharmos nas nossas indústrias, a maneira de fazermos bem, porque, atualmente, as nossas indústrias têm de ser competitivas pela qualidade da sua produção, e não pela produção massiva, têm de ser dirigidas a mercados que exigem qualidade. Julgo que aí nós também beneficiaremos. E dou um exemplo da minha região. Hoje, os produtos de cortiça são amplamente procurados. E as novas aplicações de cortiça em “gadgets”, em bolsas, em carteiras, é algo que tem muita procura. E o próprio turista, quando visita o território, procura bens de consumo que potenciam o crescimento de um setor de atividade.
VE - É importante haver cooperação entre municípios, de modo a que a Área Metropolitana do Porto se desenvolva como um todo, de forma sustentada e harmoniosa?
ES - Faz todo o sentido. Se cooperarmos, poderemos alocar um conjunto de verbas muito maior às ações que pretendemos desenvolver, sejam elas ações de promoção internacional ou ações de missões empresariais e de captação de investimento. Dou exemplo da área Metropolitana do Porto, mas até poderia ser mais alargado.
Atrasos na execução dos fundos comunitários
VE - Em termos da aplicação dos fundos comunitários da região, acha que estamos a atingir os objetivos ou continua a haver atrasos?
ES - Sim, há atrasos, claramente. Praticamente, só agora é que começam a surgir as primeiras candidaturas aprovadas. As entidades públicas, nomeadamente os municípios, foram relegadas para segundo plano neste quadro comunitário, que esteve muito vocacionado para as empresas, e bem, mas as verbas alocadas para os municípios foram poucas, tendo em conta que são os grandes executores de obra. Aqui, na Área Metropolitana do Porto, ficámos muito aquém daquilo que era necessário.
Eu recordo que tínhamos o triplo dos projetos, em relação àqueles que foram aprovados. Penso que agora era urgente proceder-se a uma análise do que está feito e daquilo que está em condições de se fazer, aquilo a que chamamos uma reprogramação. Este é o ‘timing’ certo para se fazer uma reprogramação, porque, de facto, atualmente, muitos municípios têm projetos muito maduros para avançar e de cuja execução o país também precisa. Mesmo com os bons indicadores da nossa atividade económica (designadamente, as exportações, o défice), teríamos aqui um impulso novo no crescimento se, dada a capacidade de execução que os municípios têm, fossem revistas as verbas a alocar aos municípios. E dou um exemplo. Conheço muitos municípios que, no setor da educação, têm escolas ainda para recuperar, e, no setor da saúde, em que têm equipamentos de saúde muito antigos e sem grandes condições, que se poderiam recuperar. Portanto, principalmente, nestes dois setores, da educação e saúde, deveria haver uma revisitação no sentido de se aumentarem as alocações. E os municípios já provaram ao longo de todos os quadros comunitários que são executores, porque têm essa capacidade.
Alimentar a “máquina do Estado”
VE - Não há o risco de os fundos comunitários estarem a ser desviados para alimentarem o Orçamento de Estado?
ES - Claramente. Neste quadro comunitário, que já vem do anterior governo, muitas daquelas apostas que são feitas servem para alimentar a máquina do Estado (o Instituto de Emprego e Formação Profissional, a Segurança Social, etc.). Muitas destas verbas estão a alimentar a máquina. É por essa razão que muitas vezes o défice diminui, porque a despesa do Estado passa a ser financiada por fundos comunitários, quando eu acho que é fundamental que os fundos tenham uma componente social. Mas, de facto, tem toda a razão no que está a dizer. Os fundos comunitários estão muitas as vezes a ser usados para alimentar a máquina do Estado, aliviar o Orçamento de Estado, o que permite investimentos e diria até um certo enviesamento da missão dos fundos estruturais.
Os fundos estruturais são para os territórios que têm um menor desenvolvimento, como é o caso da Região Norte. Com estas formas ardilosas de desviar os fundos para a despesa do Estado central, estamos a tirá-los das regiões, a substituir o Orçamento de Estado em termos de receita, e, depois, o Orçamento de Estado é aplicado onde o Governo quer. Portanto, sendo, por exemplo, a Região Norte uma região de convergência, é por isso que Portugal tem uma determinada quantidade de fundos. Quanto o Estado se apropria destes fundos para financiar a máquina do Estado, tem aí uma nova receita, quando quem deveria financiar essa despesa seria o Orçamento de Estado. E é, no fundo, uma forma de desviar os fundos das regiões onde eles deveriam ser aplicados para outros sítios, que, normalmente, nós sabemos quais são.
VE - E o desvio acontece logo de início ou é posterior? Porque, por exemplo, no QREN, havia parte dos apoios às empresas que era reembolsável, e os reembolsos são feitos, mas não se sabe onde eles vão parar. E também no Portugal 2020, os fundos das empresas são, por essência, reembolsáveis, e também não está definido onde eles vão parar.
ES - Eu penso que a intenção era fazer uma espécie de roda giratória, em que os mesmo fundos davam para fomentar a economia e vários investimentos. De facto, não sabemos onde é que eles vão parar. O reembolso é reinvestido onde, quando, como? Temos que saber, tem que haver uma explicação. O objetivo desse reembolso é exatamente o reinvestimento. No fundo, é quase um financiamento. Um financiamento em que o promotor reembolsa e esse dinheiro deve servir para novo investimento. É o papel da instituição financeira de desenvolvimento fazer a gestão destes fundos, mas vamos ver o que acontece.
Emídio Sousa - Um dos principais desafios num futuro próximo será o assumir de novas competências porque está em curso todo um processo de descentralização de competências que o Governo está a desenvolver. Um dos diplomas atribui novas responsabilidades à Área Metropolitana do Porto e até põe a hipótese de uma eleição direta dos futuros órgãos.
Outro grande desafio é mantermos todo este desenvolvimento, toda esta competitividade do território. A Área Metropolitana do Porto tem vindo a crescer, está a ter uma nova dinâmica, muito impulsionada pelo turismo, o que penso que faz de nós hoje em dia um dos principais pólos de desenvolvimento e atração do território.
Mas eu julgo que não podemos ficar excessivamente dependentes do turismo, dada a nossa fortíssima tradição industrial. A Cintura Industrial do Porto (que engloba a Maia, a Feira, Gaia, São João da Madeira, Paredes…) tem setores tradicionais muito desenvolvidos que precisamos de manter, porque são fatores de grande crescimento e competitividade. Portanto, esta competitividade territorial, toda esta vocação industrial já com dezenas de anos, deve ser mantida.
VE - O turismo também poderá promover o desenvolvimento de alguma indústria?
ES - Neste momento, o turismo está a provocar um grande desenvolvimento, principalmente nos setores da hotelaria e da restauração, e mexe com tudo, desde a recuperação do património à reabilitação e regeneração urbana. Portanto, há todo um conjunto de setores que se desenvolveram associados ao turismo. Obviamente que a componente industrial, a maneira de trabalharmos nas nossas indústrias, a maneira de fazermos bem, porque, atualmente, as nossas indústrias têm de ser competitivas pela qualidade da sua produção, e não pela produção massiva, têm de ser dirigidas a mercados que exigem qualidade. Julgo que aí nós também beneficiaremos. E dou um exemplo da minha região. Hoje, os produtos de cortiça são amplamente procurados. E as novas aplicações de cortiça em “gadgets”, em bolsas, em carteiras, é algo que tem muita procura. E o próprio turista, quando visita o território, procura bens de consumo que potenciam o crescimento de um setor de atividade.
VE - É importante haver cooperação entre municípios, de modo a que a Área Metropolitana do Porto se desenvolva como um todo, de forma sustentada e harmoniosa?
ES - Faz todo o sentido. Se cooperarmos, poderemos alocar um conjunto de verbas muito maior às ações que pretendemos desenvolver, sejam elas ações de promoção internacional ou ações de missões empresariais e de captação de investimento. Dou exemplo da área Metropolitana do Porto, mas até poderia ser mais alargado.
Atrasos na execução dos fundos comunitários
VE - Em termos da aplicação dos fundos comunitários da região, acha que estamos a atingir os objetivos ou continua a haver atrasos?
ES - Sim, há atrasos, claramente. Praticamente, só agora é que começam a surgir as primeiras candidaturas aprovadas. As entidades públicas, nomeadamente os municípios, foram relegadas para segundo plano neste quadro comunitário, que esteve muito vocacionado para as empresas, e bem, mas as verbas alocadas para os municípios foram poucas, tendo em conta que são os grandes executores de obra. Aqui, na Área Metropolitana do Porto, ficámos muito aquém daquilo que era necessário.
Eu recordo que tínhamos o triplo dos projetos, em relação àqueles que foram aprovados. Penso que agora era urgente proceder-se a uma análise do que está feito e daquilo que está em condições de se fazer, aquilo a que chamamos uma reprogramação. Este é o ‘timing’ certo para se fazer uma reprogramação, porque, de facto, atualmente, muitos municípios têm projetos muito maduros para avançar e de cuja execução o país também precisa. Mesmo com os bons indicadores da nossa atividade económica (designadamente, as exportações, o défice), teríamos aqui um impulso novo no crescimento se, dada a capacidade de execução que os municípios têm, fossem revistas as verbas a alocar aos municípios. E dou um exemplo. Conheço muitos municípios que, no setor da educação, têm escolas ainda para recuperar, e, no setor da saúde, em que têm equipamentos de saúde muito antigos e sem grandes condições, que se poderiam recuperar. Portanto, principalmente, nestes dois setores, da educação e saúde, deveria haver uma revisitação no sentido de se aumentarem as alocações. E os municípios já provaram ao longo de todos os quadros comunitários que são executores, porque têm essa capacidade.
Alimentar a “máquina do Estado”
VE - Não há o risco de os fundos comunitários estarem a ser desviados para alimentarem o Orçamento de Estado?
ES - Claramente. Neste quadro comunitário, que já vem do anterior governo, muitas daquelas apostas que são feitas servem para alimentar a máquina do Estado (o Instituto de Emprego e Formação Profissional, a Segurança Social, etc.). Muitas destas verbas estão a alimentar a máquina. É por essa razão que muitas vezes o défice diminui, porque a despesa do Estado passa a ser financiada por fundos comunitários, quando eu acho que é fundamental que os fundos tenham uma componente social. Mas, de facto, tem toda a razão no que está a dizer. Os fundos comunitários estão muitas as vezes a ser usados para alimentar a máquina do Estado, aliviar o Orçamento de Estado, o que permite investimentos e diria até um certo enviesamento da missão dos fundos estruturais.
Os fundos estruturais são para os territórios que têm um menor desenvolvimento, como é o caso da Região Norte. Com estas formas ardilosas de desviar os fundos para a despesa do Estado central, estamos a tirá-los das regiões, a substituir o Orçamento de Estado em termos de receita, e, depois, o Orçamento de Estado é aplicado onde o Governo quer. Portanto, sendo, por exemplo, a Região Norte uma região de convergência, é por isso que Portugal tem uma determinada quantidade de fundos. Quanto o Estado se apropria destes fundos para financiar a máquina do Estado, tem aí uma nova receita, quando quem deveria financiar essa despesa seria o Orçamento de Estado. E é, no fundo, uma forma de desviar os fundos das regiões onde eles deveriam ser aplicados para outros sítios, que, normalmente, nós sabemos quais são.
VE - E o desvio acontece logo de início ou é posterior? Porque, por exemplo, no QREN, havia parte dos apoios às empresas que era reembolsável, e os reembolsos são feitos, mas não se sabe onde eles vão parar. E também no Portugal 2020, os fundos das empresas são, por essência, reembolsáveis, e também não está definido onde eles vão parar.
ES - Eu penso que a intenção era fazer uma espécie de roda giratória, em que os mesmo fundos davam para fomentar a economia e vários investimentos. De facto, não sabemos onde é que eles vão parar. O reembolso é reinvestido onde, quando, como? Temos que saber, tem que haver uma explicação. O objetivo desse reembolso é exatamente o reinvestimento. No fundo, é quase um financiamento. Um financiamento em que o promotor reembolsa e esse dinheiro deve servir para novo investimento. É o papel da instituição financeira de desenvolvimento fazer a gestão destes fundos, mas vamos ver o que acontece.
“2018 será um ano de maior investimento público”
Em termos do investimento público, que já conheceu melhores dias, Emídio Sousa entende que a redução do investimento pode condicionar o desenvolvimento da Área Metropolitana do Porto. “Não tenho quaisquer dúvidas, embora eu esteja convencido de que o Governo fez isto de uma maneira estratégica e tenho quase a certeza de que 2018 será um ano de maior investimento público. O atual Governo e o seu primeiro-ministro seguiram uma velha máxima da política que é: nos primeiros dois anos do ciclo de governação, fazer uma fortíssima contenção de despesa (austeridade, no bom sentido do termo, no sentido rigoroso do termo), para depois, nos últimos dois anos do ciclo de governação, soltarem um bocadinho os cordões à bolsa. Penso que é isto que está a acontecer, e que em 2018 e 2019 iremos assistir a uma recuperação do investimento público”, conclui Emídio Gomes. |