“Temos arquitetos a receber menos de dois euros à hora”
Os arquitetos não querem que os engenheiros voltem a poder assinar projetos de arquitetura. Em 2009, foi revogado o célebre decreto-lei 73/73, que conferia a possibilidade de outros profissionais, nomeadamente engenheiros, poderem assinar projetos. No entanto, surge agora uma nova proposta de lei, da autoria do PSD, que visa manter aquele direito.
Em entrevista à “Vida Económica”, Cláudia Costa Santos, presidente da secção regional do norte da Ordem dos Arquitetos (OA), é taxativa: além da “concorrência desleal”, caminhar-se-ia para “uma desqualificação do trabalho” com “honorários muito baixos” – alguns a “menos de dois euros à hora” -, o que geraria “o descrédito da profissão”.
É certo que há um “receio imenso” de que o diploma seja aprovado. Por isso, a palavra de ordem é “coerência”.
Em entrevista à “Vida Económica”, Cláudia Costa Santos, presidente da secção regional do norte da Ordem dos Arquitetos (OA), é taxativa: além da “concorrência desleal”, caminhar-se-ia para “uma desqualificação do trabalho” com “honorários muito baixos” – alguns a “menos de dois euros à hora” -, o que geraria “o descrédito da profissão”.
É certo que há um “receio imenso” de que o diploma seja aprovado. Por isso, a palavra de ordem é “coerência”.
Vida Económica – Se a proposta de lei que está em cima da mesa for aprovada na Assembleia da República, que consequências é que traz?
Cláudia Costa Santos – Traz imensas. Partimos logo do princípio de que quando havia outros profissionais que exerciam arquitetura eram um número muito menor. Atualmente somos cerca de 24 mil arquitetos em Portugal, ou seja, um número bastante elevado para aquilo que são as necessidades imediatas do país e, portanto, isto não tem qualquer tipo de lógica.
VE – Refere que há cerca de 24 mil arquitetos. Qual é a taxa de desemprego, neste momento?
CCS – Não tenho ideia. Há uns quatro/cinco anos andaria à volta de 30% a 40%. Atualmente não sabemos. Estamos a ver se conseguimos ir buscar números ao IEFP [Instituto de Emprego e Formação Profissional]. Não seria difícil de medir o desemprego se tivéssemos uma resposta imediata de todos os membros da Ordem aos inquéritos que fazemos, mas temos uma taxa de resposta de cerca de 10%. O que fazemos é ir cruzando informação, usando algumas fórmulas. Aguardamos pela informação do IEFP, até para podermos concretizar o que queremos implementar neste triénio, que é um plano a médio/longo prazo do futuro económico da profissão. E também estamos a tentar uma parceria com a Segurança Social, para ir quase ‘picar’ todos os membros que temos e verificar, não só qual é o rendimento mensal mas, também, para perceber se os seus serviços estão a ser valorizados e, com base nisso, desenvolver medidas para valorizar a profissão.
VE – Voltemos ao tema central. Quais são as razões por que os arquitetos não querem que os engenheiros assinem projetos de arquitetura? São técnicas ou profissionais?
CCS - São todas. Estamos aqui a falar de uma profissão com uma disciplina e um rigor imenso naqueles que são os conhecimentos, que têm uma restrição para entrada na sua Ordem profissional. E por isso é que temos ordens profissionais. E quando alguém está inscrito, a Ordem diz para a sociedade que esse profissional é qualificado para exercer aquela profissão. Outras situações têm a ver com o próprio processo de exercício da arquitetura. E como os outros profissionais não têm esses conhecimentos, esse exercício nunca será feito com os conhecimentos que os nossos profisssionais arquitetos adquiriram e que, até a nível europeu e internacionalmente, são bem conhecidos por esta nossa prática rigorosa e qualificada. Para além disso, temos também a vertente profissional e económica. Há uma deturpação do que são os serviços da arquitetura. Enquanto os arquitetos têm definido que arquitetura não é apenas desenhar o que, de certa forma, o cliente nos pede, há um envolvimento contextual muito diverso, como o enquadramento no local, o respeito pelo sítio, a história, o desenvolvimento na macro-escala, a cidade, o desenvolvimento do território e fazendo aquilo que será a evolução futura desse território, etc. E isso tudo perde-se um bocadinho naquilo que são os profissionais que não aprenderam como é que se deve fazer este encadeamento. A execução da arquitetura é um processo longo e a forma como outros profissionais ultrapassam algumas dessas fases faz com que se possa fomentar valores muito mais baixos no mercado, porque não têm essa perícia e atenção na execução do projeto. E depois temos várias fases, desde a análise, à avaliação do território, à implementação criativa, a parte estética, a parte técnica, como é óbvio, e a própria coordenação da arquitetura com todas as especialidades e as várias engenharias. Porque este é um trabalho conjunto, não é um trabalho solitário. E é óbvio que uns não vão entrar pela profissão dos outros, porque todos precisamos de trabalhar em colaboração.
VE – E há as questões relacionadas com o mercado de trabalho?
CCS – Claro. Isso fomenta a que haja um aproveitamento dos valores mais baixos. Começa a haver uma concorrência, não pela qualidade, mas pelo preço mais baixo. Cada vez mais nós, arquitetos, sofremos com aquilo que é a desqualificação do trabalho pela própria oferta no mercado de valores muito baixos. Temos arquitetos que estão a receber menos de dois euros à hora. Isto é um absurdo. É menos que o rendimento mínimo mensal. E há arquitetos que, para conseguir trabalhos, vêem-se obrigados a descer o valor dos honorários. E como a arquitetura também é um pouco mostrar aquilo que se faz, se não tivermos trabalho, dificilmente entramos no mercado. E esta prestação de serviços é uma desvalorização dos nossos serviços e da nossa profissão, porque há outros profissionais a tentarem exercer de forma desqualificada, o que depois desqualifica toda uma profissão.
Cláudia Costa Santos – Traz imensas. Partimos logo do princípio de que quando havia outros profissionais que exerciam arquitetura eram um número muito menor. Atualmente somos cerca de 24 mil arquitetos em Portugal, ou seja, um número bastante elevado para aquilo que são as necessidades imediatas do país e, portanto, isto não tem qualquer tipo de lógica.
VE – Refere que há cerca de 24 mil arquitetos. Qual é a taxa de desemprego, neste momento?
CCS – Não tenho ideia. Há uns quatro/cinco anos andaria à volta de 30% a 40%. Atualmente não sabemos. Estamos a ver se conseguimos ir buscar números ao IEFP [Instituto de Emprego e Formação Profissional]. Não seria difícil de medir o desemprego se tivéssemos uma resposta imediata de todos os membros da Ordem aos inquéritos que fazemos, mas temos uma taxa de resposta de cerca de 10%. O que fazemos é ir cruzando informação, usando algumas fórmulas. Aguardamos pela informação do IEFP, até para podermos concretizar o que queremos implementar neste triénio, que é um plano a médio/longo prazo do futuro económico da profissão. E também estamos a tentar uma parceria com a Segurança Social, para ir quase ‘picar’ todos os membros que temos e verificar, não só qual é o rendimento mensal mas, também, para perceber se os seus serviços estão a ser valorizados e, com base nisso, desenvolver medidas para valorizar a profissão.
VE – Voltemos ao tema central. Quais são as razões por que os arquitetos não querem que os engenheiros assinem projetos de arquitetura? São técnicas ou profissionais?
CCS - São todas. Estamos aqui a falar de uma profissão com uma disciplina e um rigor imenso naqueles que são os conhecimentos, que têm uma restrição para entrada na sua Ordem profissional. E por isso é que temos ordens profissionais. E quando alguém está inscrito, a Ordem diz para a sociedade que esse profissional é qualificado para exercer aquela profissão. Outras situações têm a ver com o próprio processo de exercício da arquitetura. E como os outros profissionais não têm esses conhecimentos, esse exercício nunca será feito com os conhecimentos que os nossos profisssionais arquitetos adquiriram e que, até a nível europeu e internacionalmente, são bem conhecidos por esta nossa prática rigorosa e qualificada. Para além disso, temos também a vertente profissional e económica. Há uma deturpação do que são os serviços da arquitetura. Enquanto os arquitetos têm definido que arquitetura não é apenas desenhar o que, de certa forma, o cliente nos pede, há um envolvimento contextual muito diverso, como o enquadramento no local, o respeito pelo sítio, a história, o desenvolvimento na macro-escala, a cidade, o desenvolvimento do território e fazendo aquilo que será a evolução futura desse território, etc. E isso tudo perde-se um bocadinho naquilo que são os profissionais que não aprenderam como é que se deve fazer este encadeamento. A execução da arquitetura é um processo longo e a forma como outros profissionais ultrapassam algumas dessas fases faz com que se possa fomentar valores muito mais baixos no mercado, porque não têm essa perícia e atenção na execução do projeto. E depois temos várias fases, desde a análise, à avaliação do território, à implementação criativa, a parte estética, a parte técnica, como é óbvio, e a própria coordenação da arquitetura com todas as especialidades e as várias engenharias. Porque este é um trabalho conjunto, não é um trabalho solitário. E é óbvio que uns não vão entrar pela profissão dos outros, porque todos precisamos de trabalhar em colaboração.
VE – E há as questões relacionadas com o mercado de trabalho?
CCS – Claro. Isso fomenta a que haja um aproveitamento dos valores mais baixos. Começa a haver uma concorrência, não pela qualidade, mas pelo preço mais baixo. Cada vez mais nós, arquitetos, sofremos com aquilo que é a desqualificação do trabalho pela própria oferta no mercado de valores muito baixos. Temos arquitetos que estão a receber menos de dois euros à hora. Isto é um absurdo. É menos que o rendimento mínimo mensal. E há arquitetos que, para conseguir trabalhos, vêem-se obrigados a descer o valor dos honorários. E como a arquitetura também é um pouco mostrar aquilo que se faz, se não tivermos trabalho, dificilmente entramos no mercado. E esta prestação de serviços é uma desvalorização dos nossos serviços e da nossa profissão, porque há outros profissionais a tentarem exercer de forma desqualificada, o que depois desqualifica toda uma profissão.
“Há concorrência desleal”
Poder-se-á falar de concorrência desleal, perguntámos a Cláudia Costa Santos. E a presidente da secção regional do Norte da OA é perentória: “Completamente”. Certo é que a votação da proposta de lei que dá a possibilidade de engenheiros civis poderem novamente assinar projetos está agendada para 19 de julho e “há um receio imenso que ela seja aprovada”, refere Cláudia Costa Santos. No entanto, diz, “esperamos que a Assembleia da República nos seus vários grupos parlamentares pelo menos tenha alguma coerência naquilo que tem sido a votação sobre esta matéria”. “Espantada” com o grupo parlamentar do PSD por este apresentar esta proposta de diploma, até pelas “declarações que já ouvimos durante anos e anos sobre esta matéria”, a dirigente da OA não tem dúvidas: “não tem cabimento introduzir outros profissionais numa profissão que, em número, se quantifica como muito superior àquilo que são as necessidades”. Questionada sobre quais as consequências diretas, se a lei for aprovada, Cláudia Costa Santos diz que “são imensas”, não só no que toca à “precariedade e a concorrência desleal”, mas porque isto contribui para “piorar o descrédito da profissão”. E deixa duas perguntas no ar. A primeira é: “como é que eu irei dizer aos arquitetos que há outros profissionais que não têm a qualificação que vão exercer a nossa profissão?”. Já a segunda é o que responder aos “imensos engenheiros que, neste período transitório, tiraram o curso de arquitetura”. Em suma, diz esta responsável, “há aqui um conjunto de incongruências e de injustiças”, levando a que, com um só diploma, se criem “vários problemas”. |