Águas de Portugal investe 800 milhões de euros até 2023
O atual presidente da Águas de Portugal (AdP), João Nuno Mendes, sucedeu a Afonso Lobato de Faria na presidência da empresa, depois de este renunciar ao cargo por “discordância com o caminho traçado” pela tutela. Na última semana, acedeu a uma entrevista à “Vida Económica” à margem da Porto Innovation Week, que reuniu cerca de 800 empresas tecnológicas, ‘startups’, investigadores, investidores, ‘utilities’, entidades reguladoras, decisores e líderes políticos.
A AdP, que emprega 3257 pessoas e fatura 646 milhões de euros, acaba de receber ‘luz verde’ do BEI para um empréstimo de 420 milhões de euros e vai “investir 800 milhões até 2023”. Em paralelo, está a trabalhar um projeto-piloto de regadio no Alentejo. João Nuno Mendes garante: “temos toda a disponibilidade para trabalhar com as empresas do setor privado ou agentes do setor público sempre que isso implique a reutilização da água”.
Vida Económica – A Porto Innovation Week acolhe aqui dezenas de oradores nacionais e internacionais. Qual é o grande objetivo deste evento?
João Nuno Mendes - O setor afirmou-se em Portugal pelo seu desempenho, no segmento água e no do saneamento e águas residuais. Temos excelentes experiências, mas a continuidade do sucesso passa muito por nós. É preciso termos uma grande abertura a novas tecnologias, a outros operadores, a outras experiências. E esta é uma excelente iniciativa, que permite trazer muita gente de outros países para o Porto.
VE – O Banco Europeu de Investimento (BEI) aprovou, há dias, um empréstimo de 420 milhões de euros à AdP para os próximos quatro anos. Que investimentos é que estão previstos?
JNM – Exatamente. Desse empréstimo autorizado pelo BEI contratámos uma primeira “tranche” de 220 milhões. Estamos a falar de investimentos maioritariamente – mais de 60% – dirigidos ao setor do saneamento, mas também vamos fazer a renovação intensiva do nosso parque. Nós já temos um parque que representa um investimento acumulado de 6,8 mil milhões de euros de ativos, que exploramos todos os dias – ETA, ETAR, condutas que temos sob gestão, etc.
VE – Que investimentos é que a AdP está a realizar neste momento?
JNM – Estamos a fazer duas ETARs de grande dimenão no Algarve – a de Faro-Olhão e a de Companheira, em Portimão – que devemos ter concluídas no próximo ano. Temos em curso nas águas públicas do Alentejo um investimento superior a 100 milhões de euros que é fundamental para dar melhores garantias de abastecimento e qualidade da água, de ligação ao Alqueva e, naturalmente, para cumprir as diretivas europeias em matéria de águas residuais. Temos algumas intervenções de renovação em Lisboa na ETAR de Beirolas, uma intervenção na ETA de Vale da Pedra, que faz parte do universo EPAL, uma remodelação no Choupal na região Norte, temos um conjunto de investimentos significativos de ligação da alta à baixa da responsabilidade da AdP e dos municípios – condutas, reservatórios, etc – etc. Ao todo, com todos estes investimentos, prevemos servir mais cerca de 400 mil pessoas em água e 400 mil pessoas em saneamento.
VE – A médio prazo, qual é o plano de investimentos utilizando este empréstimo do BEI?
JNM – O nosso plano de investimento a médio prazo orça cerca de 800 milhões de euros. Estamos a falar de intervenções cada vez mais pequenas, pelo facto de a reonovação aumentar a sua dimensão. Estamos a falar de investimentos significativos, mas naturalmente que, à medida, que formos fazendo a sua realização ajustaremos o calendário.
VE – Mas quando fala de um investimento de 800 milhões é a que prazo?
JNM – Diria que é um plano de médio prazo. Estaremos a falar de sensivelmente até 2022/2023, já contando com adaptações ao calendário que normalmente ocorrem decorrente de os projetos que temos serem cada vez mais complexos. Os projetos de inovação em infraestruturas já existentes são particularmente complexos de projetar. Não basta substituir o equipamento; todo o processo tem de ser revisitado pelas nossas equipas de engenharia. Ao todo vamos ter mais ETAR, mais ETA, mais quilómetros de condutas para conseguirmos atingir essas 400 mil pessoas em água e 400 mil pessoas em saneamento. Esse é o grande objetivo.
VE – Para além da vertente de abastecimento de água às populações, que papel assume a AdP no abastecimento de água destinada à agricultura?
JNM – O grupo AdP concentra-se no serviço relacionado com o consumo doméstico e o tratamento de parte de efluentes industriais. Relativamente à agricultura, temos alguns projetos-piloto em estudo, que poderão ser realizados a breve prazo, por exemplo para aproveitamento de água residual tratada para rega de vinhas. É uma matéria que estamos a estudar. Temos um caso concreto em cima da mesa, que tem até alguma complexidade, porque a água residual tem de ser sujeita a tratamentos adicionais, precisa de encaixar com os requisitos que o nosso potencial cliente precisa para que as autoridades ambientais e de saúde validem o projeto. É no Alentejo. Ainda estamos a trabalhar com o cliente, é preciso afinar quer o que é fornecido quer a infraestrutura.
VE – É um projeto que pode vir a ser replicado noutras regiões do país?
JNM – Sim, nós acolhemos estes projetos com essa ambição. A reutilização da água pode ser muito importante em zonas onde existe escassez de água, como no Alentejo.
VE – A AdP está, portanto, aberta a parcerias com privados nesta área?
JNM – Sim. Com privados ou públicos, como é o caso das câmaras, quando estejamos a falar da utilização da água residual tratada para a rega de jardins. Portanto, nós temos toda a disponibilidade para trabalhar com as empresas do setor privado ou agentes do setor público sempre que isso implique a reutilização da água. Agora, tudo isso leva tempo. É preciso conhecer as especificações, construir o projeto e que o utilizador final tenha isso como propósito. Esse é um trabalho para o qual nós nos estamos a preparar. E o mais interessante é passar da fase dos projetos-piloto para uma fase de industrialização. Se tivermos escala, as rentabilidades serão outras
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De acordo com o Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água 2012-2020 (PNUEA), assinado em junho de 2012 pela então ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, Assunção Cristas, Portugal iniciou o século XXI com uma procura anual de água no território continental estimada em cerca de 7.500 milhões m3, no conjunto dos três setores: urbano, agrícola e industrial.
O setor agrícola é, em termos de volume, o maior consumidor (>80%), mas é também aquele em que as perdas, estimadas em 40%, são maiores, derivadas de falhas no sistema de armazenamento, transporte e distribuição. Também no setor agrícola, o maior consumidor de água foi aquele onde se verificou uma redução de consumo mais significativa.
A ineficiência do uso da água é especialmente gravosa em períodos de escassez hídrica. E Portugal já atravessou vários períodos de seca, sendo a mais recente a que se registou em 2004/2005 e, agora, em 2017. Além da dimensão social inerente à vivência de uma seca pelas populações e setores produtivos diretamente afetados, uma seca pode representar um forte impacto económico. De acordo com o PNUEA, o montante global dos custos setoriais da seca de 2005 ascendeu a 286.205.800 euros, 39 milhões dos quais na agricultura.
Numa outra vertente, existe a estimativa de que em Portugal são reutilizadas anualmente apenas 6,1 milhões de m3 de águas residuais tratadas, colocando-os na metade inferior do ranking europeu nesta matéria. A UE tem por objetivo chegar aos 6000 milhões de m3 de água reutilizada em 2025, tendo por base 964 milhões de m3 de água reutilizados em 2006.
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