Empresas continuam a suportar uma carga fiscal excessiva
O regime fiscal nacional necessita de passar por alterações. A carga fiscal que recai sobre as empresas é excessiva, a burocracia continua a ser um problema grave e os processos em sede de IVA são complexos. As empresas de materiais de construção ressentem-se particularmente destas realidades, já que são parte integrante da fileira do imobiliário. José de Matos, secretário-geral da Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção (APCMC, defende também uma postura diferente por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), especialmente no que se refere à calendarização das obrigações declarativas.
Contabilidade & Empresas - Neste momento, quais os principais problemas que se colocam às empresas em termos fiscais?
José de Matos - Para além da carga fiscal que é elevada e que deveria ser reduzida com urgência, até porque afeta a imagem de competitividade fiscal do pais o que é mau para o investimento externo, temos um extenso conjunto de regras e exigências burocráticas, como mas também excessos em domínios como o da criminalização de algumas infrações tributárias, complexidade de processos de regularização em sede do IVA e que alimentam um excessivo contencioso fiscal, questões relativas à inversão do ónus da prova quando se verificam divergências entre os dados comunicados pelo contribuinte e os comunicados por terceiros, os prazos de prescrição, os juros moratórios e os respetivos prazos de contagem, as responsabilidades atribuídas aos contribuintes no domínio das penhoras de créditos que fazem deles autênticos agentes de cobrança não remunerados, etc. Mas há ainda a falta de incentivos à capitalização das empresas. Uma medida que se impõe é a possibilidade de dedução em sede de IRS de uma parcela das entradas em dinheiro realizadas pelos sócios de uma sociedade ao montante dos lucros que lhes sejam colocados à disposição, no ano da realização das entradas e nos cinco anos seguintes. Atendendo às características e dimensão da maioria das empresas portuguesas esta medida representaria um incentivo importante ao reforço dos capitais próprios, sobretudo num quadro em que o papel do setor financeiro se encontra diminuído.
CE - Quais as alterações fiscais que gostaria de ver inscritas no Orçamento do Estado?
JM - Julgo que a medida mais justa e mais eficaz seria a eliminação da tributação autónoma em sede de IRC. Desde logo porque a eliminação desta medida extraordinária e dita temporária indiciaria um regresso à normalidade no sistema fiscal. Depois, porque a persistência de uma tributação sobre custos e a taxas que chegam a ser superiores às do próprio IRC é, para além de iniqua, uma autêntica perversidade que agride os próprios fundamentos constitucionais deste imposto que era suposto incidir sobre lucros. Por último pela expressão que atinge em termos de carga fiscal para as empresas, hoje considerado o maior obstáculo ao investimento.
CE - Considera que a AT deveria ter uma postura diferente relativamente ao tratamento com os contribuintes?
JM - Naturalmente que sim. Não estamos a falar naturalmente na exigência de rigor no cumprimento das regras, nem tão pouco na ação inspetiva. Mas existem questões como, nomeadamente, a extensão e número das exigências declarativas e a sua calendarização que colocam um enorme peso administrativo e burocrático do lado das empresas e que se reflete negativamente na sua estrutura de custos e na produtividade global. É necessário e é possível simplificar e reduzir os custos de cumprimento das obrigações fiscais, bem como diminuir o contencioso fiscal que é potenciado por normas inadequadas e ou mal redigidas. Por outro lado há várias situações em que os direitos dos contribuintes não são observados na prática de atuação da autoridade fiscal, como é o caso da utilização abusiva do instituto da responsabilidade subsidiária dos administradores através da reversão nos processos de execução fiscal. A verdade é que a AT, bastando-se com o mero facto de alguém ter sido gerente ou administrador de uma sociedade, mediante pesquisas feitas informaticamente às bases de dados da AT ou da Conservatória do Registo Comercial, promove a reversão contra todos os administradores ou gerentes, deixando os titulares de tais cargos como responsáveis subsidiários por dívidas alheias, sem averiguar minimamente se tiveram ou não alguma responsabilidade na falta de pagamento, transformando por essa via a administração de sociedades numa profissão de alto risco.
Eliminação do PEC já tardava
CE - Que pensa da já anunciada eliminação do PEC?
JM - Já tardava. É uma medida que foi também ela instituída com caráter excecional e transitório e que não respeita minimamente o princípio constitucional da tributação das empresas pelo seu rendimento real. Nem é um pagamento por conta, porque não é restituível no caso de inexistência de coleta. Nem é verdadeiramente um imposto, porque não havendo coleta a que possa ser deduzido a partir do sexto período seguinte ao do pagamento, pode ser pedia a sua restituição. No fundo é um empréstimo forçado ao Estado, o que não tem cabimento em qualquer sistema fiscal de país civilizado.
CE - Quais os principais problemas que se colocam às empresas de materiais de construção?
JM - Até há bem pouco tempo diríamos que o maior problema eram as vendas, tal foi a redução registada na dimensão do mercado nacional. Mas mesmo antes disso, haviam sido os incobráveis, esses sim responsáveis por um elevadíssimo número de falências. Hoje, apesar do mercado não representar sequer metade do que já foi, o problema que mais aflige as empresas, no imediato, são as margens de comercialização, cuja tendência, por motivos vários, tem sido decrescente. Na verdade ao contrário da perceção geral sobre o clima de euforia que se vive atualmente no setor imobiliário e também na construção, devemos dizer que a liquidez continua reduzida, o crédito é difícil e a concorrência é cada vez mais agressiva devido ao excesso de capacidade instalada e ao aparecimento de novos formatos de distribuição com poder crescente no mercado.
CE - E quais as oportunidades?
JM - As oportunidades, para além do crescimento do mercado que se prevê sustentável no prazo de três ou quatro anos (se entretanto não houver nenhuma perturbação inesperada) e em torno dos 3,5% a 4% ao ano, porventura superior, poderão estar sobretudo nas mudanças rápidas dos diversos paradigmas, nomeadamente, a passagem do predomínio da construção nova para a renovação, a sustentabilidade (ambiental, energética, etc.), a alteração dos sistemas e processos produtivos beneficiando a componente tecnológica dos produtos, as mudanças nos hábitos de consumo e o crescimento da componente serviço integrada em soluções. Também não podemos descartar os mercados internacionais que, durante o período mais agudo da crise, assumiram uma dimensão relevante no setor. As oportunidades permanecem e algumas podem até ser potenciadas pelos rearranjos em curso no comércio internacional. Mas precisamos, claramente, mais dimensão e mais cooperação.
A ideia da bolha imobiliária
CE - Como carateriza a atual situação do mercado (estaremos numa bolha imobiliária?)
JM - A ideia da bolha imobiliária tornou-se comum depois da crise financeira. Mas Portugal não teve bolha imobiliária antes e não tem agora. O facto do mercado imobiliário ser menos volúvel que a maior parte dos outros mercado, não significa que não possa ter altos e baixos, períodos de valorização mais rápida e períodos de estagnação ou mesmo de ajustamento. É preciso entender que, apesar dos imóveis serem bem transacionáveis, porque os compradores podem estar em qualquer lugar do mundo, na verdade eles não se movem e é exatamente na apreciação do fator localização que reside o fundamento do respetivo valor. Um imóvel em Lisboa ou mesmo no Porto tem hoje uma valorização que um imóvel semelhante em qualquer outro lugar não possui. Nós conhecemos as razões que justificam esta valorização e que estão ancoradas na procura externa (vistos gold e residentes não habituais) e na sua utilização para atividades turísticas e comerciais, num clima de falta de oportunidades de investimento nos outros setores e de rentabilidade negativa das aplicações financeiras. O crescimento dos preços operou-se num segmento muito limitado e está suportado na respetiva rentabilidade.
CE – Há, de facto, falta de oferta no mercado?
JM - O que há simultaneamente é uma escassez da oferta imobiliária nas áreas urbanas principais, porque a construção esteve parada oito anos e a economia e o emprego recuperaram muito mais depressa do que se esperava. Apareceu uma nova procura gerada pela localização e crescimento dos contactcenters, houve um aumento exponencial da população universitária vinda do exterior, o maior número de empregos criados foi nas atividades turísticas e o turismo onde mais cresceu foi precisamente nas cidades de Lisboa e Porto. A construção nova tem um ciclo longo e nunca inferior a quatro anos e, portanto, só daqui a dois ou três anos poderá começar a dar resposta se houver investidores e financiadores o que, nas condições atuais do sistema financeiro e no quadro da fiscalidade que incide sobre o imobiliário é duvidoso que aconteça com a dimensão que seria necessária. Há a possibilidade do arrendamento e há muitos prédios e frações nas cidades e nos arredores que, com pequenas obras de renovação ou adaptação, poderiam surgir neste mercado, mas a verdade é que o Estado criou obstáculos pela via dos limites ao direito de propriedade e inflacionou as rendas através da carga fiscal que, aliás, aumentou com a introdução do AIMI. Para que o arrendamento seja rentável neste quadro as rendas têm que atingir valores incomportáveis para a grande maioria dos arrendatários. E depois há o risco, pressentido pela experiência passada e pelas medidas que estão no parlamento, dos congelamentos por motivos de proteção social que o Estado não assume e empurra para os senhorios.
CE – O que levou à atual situação, na sua perspetiva?
JM - As dificuldades no acesso à habitação foram criados unicamente pelo Estado, por políticas marcadas pelo preconceito, por fuga à responsabilidade social e por alguma ignorância ou hipocrisia. O problema resolve-se, pelo menos em parte muito significativa, se forem retirados alguns dos ónus e entraves ao arrendamento. Tem algum sentido tributar em IRS o rendimento bruto de uma habitação arrendada de forma igual a um rendimento financeiro? E ainda tributar duplamente em IMI e ainda, nalguns casos em AIMI? E não permitir a amortização do investimento ou a dedução com encargos de manutenção que, em termos médios representam sempre algo que mais que 1% ao ano sobre o valor do imóvel? No fundo, aquilo que temos que perguntar é quanto tem que pagar de renda um inquilino para compensar o investimento do proprietário e encher os cofres do Estado.
CE - Quais as estratégias definidas pela APCMC?
JM - Julgo que algumas das principais preocupações podem ser deduzidas do que já dissemos. Mas há, obviamente, as medidas e as ações que temos em curso e outras em projeto para facilitar a resposta das empresas do setor aos desafios do presente, mas sobretudo os que se podem perspetivar no futuro e aí estamos mesmo a olhar para mais longe. A nossa intervenção naquilo que diz respeito aos patamares da economia e fiscalidade em geral, ou mesmo dos mercados finais do imobiliário e da construção, é feita no âmbito das parcerias e das estruturas associativas em que participamos, aliás, de forma muito ativa, ao nível das respetivas direções – a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário. No âmbito do nosso setor propriamente dito, permito-me destacar entre muitos outros tópicos, aqueles que foram vertidos em ações que consideramos prioridades estratégicas: formação profissional, capacitação empresarial (financiamento e internacionalização), sistema de informação setorial e modelos de previsão, transformação do modelo de negócio e economia digital. Todas estas ações estão em execução, encontrando-se em diferentes níveis de desenvolvimento e irão perdurar.
José de Matos - Para além da carga fiscal que é elevada e que deveria ser reduzida com urgência, até porque afeta a imagem de competitividade fiscal do pais o que é mau para o investimento externo, temos um extenso conjunto de regras e exigências burocráticas, como mas também excessos em domínios como o da criminalização de algumas infrações tributárias, complexidade de processos de regularização em sede do IVA e que alimentam um excessivo contencioso fiscal, questões relativas à inversão do ónus da prova quando se verificam divergências entre os dados comunicados pelo contribuinte e os comunicados por terceiros, os prazos de prescrição, os juros moratórios e os respetivos prazos de contagem, as responsabilidades atribuídas aos contribuintes no domínio das penhoras de créditos que fazem deles autênticos agentes de cobrança não remunerados, etc. Mas há ainda a falta de incentivos à capitalização das empresas. Uma medida que se impõe é a possibilidade de dedução em sede de IRS de uma parcela das entradas em dinheiro realizadas pelos sócios de uma sociedade ao montante dos lucros que lhes sejam colocados à disposição, no ano da realização das entradas e nos cinco anos seguintes. Atendendo às características e dimensão da maioria das empresas portuguesas esta medida representaria um incentivo importante ao reforço dos capitais próprios, sobretudo num quadro em que o papel do setor financeiro se encontra diminuído.
CE - Quais as alterações fiscais que gostaria de ver inscritas no Orçamento do Estado?
JM - Julgo que a medida mais justa e mais eficaz seria a eliminação da tributação autónoma em sede de IRC. Desde logo porque a eliminação desta medida extraordinária e dita temporária indiciaria um regresso à normalidade no sistema fiscal. Depois, porque a persistência de uma tributação sobre custos e a taxas que chegam a ser superiores às do próprio IRC é, para além de iniqua, uma autêntica perversidade que agride os próprios fundamentos constitucionais deste imposto que era suposto incidir sobre lucros. Por último pela expressão que atinge em termos de carga fiscal para as empresas, hoje considerado o maior obstáculo ao investimento.
CE - Considera que a AT deveria ter uma postura diferente relativamente ao tratamento com os contribuintes?
JM - Naturalmente que sim. Não estamos a falar naturalmente na exigência de rigor no cumprimento das regras, nem tão pouco na ação inspetiva. Mas existem questões como, nomeadamente, a extensão e número das exigências declarativas e a sua calendarização que colocam um enorme peso administrativo e burocrático do lado das empresas e que se reflete negativamente na sua estrutura de custos e na produtividade global. É necessário e é possível simplificar e reduzir os custos de cumprimento das obrigações fiscais, bem como diminuir o contencioso fiscal que é potenciado por normas inadequadas e ou mal redigidas. Por outro lado há várias situações em que os direitos dos contribuintes não são observados na prática de atuação da autoridade fiscal, como é o caso da utilização abusiva do instituto da responsabilidade subsidiária dos administradores através da reversão nos processos de execução fiscal. A verdade é que a AT, bastando-se com o mero facto de alguém ter sido gerente ou administrador de uma sociedade, mediante pesquisas feitas informaticamente às bases de dados da AT ou da Conservatória do Registo Comercial, promove a reversão contra todos os administradores ou gerentes, deixando os titulares de tais cargos como responsáveis subsidiários por dívidas alheias, sem averiguar minimamente se tiveram ou não alguma responsabilidade na falta de pagamento, transformando por essa via a administração de sociedades numa profissão de alto risco.
Eliminação do PEC já tardava
CE - Que pensa da já anunciada eliminação do PEC?
JM - Já tardava. É uma medida que foi também ela instituída com caráter excecional e transitório e que não respeita minimamente o princípio constitucional da tributação das empresas pelo seu rendimento real. Nem é um pagamento por conta, porque não é restituível no caso de inexistência de coleta. Nem é verdadeiramente um imposto, porque não havendo coleta a que possa ser deduzido a partir do sexto período seguinte ao do pagamento, pode ser pedia a sua restituição. No fundo é um empréstimo forçado ao Estado, o que não tem cabimento em qualquer sistema fiscal de país civilizado.
CE - Quais os principais problemas que se colocam às empresas de materiais de construção?
JM - Até há bem pouco tempo diríamos que o maior problema eram as vendas, tal foi a redução registada na dimensão do mercado nacional. Mas mesmo antes disso, haviam sido os incobráveis, esses sim responsáveis por um elevadíssimo número de falências. Hoje, apesar do mercado não representar sequer metade do que já foi, o problema que mais aflige as empresas, no imediato, são as margens de comercialização, cuja tendência, por motivos vários, tem sido decrescente. Na verdade ao contrário da perceção geral sobre o clima de euforia que se vive atualmente no setor imobiliário e também na construção, devemos dizer que a liquidez continua reduzida, o crédito é difícil e a concorrência é cada vez mais agressiva devido ao excesso de capacidade instalada e ao aparecimento de novos formatos de distribuição com poder crescente no mercado.
CE - E quais as oportunidades?
JM - As oportunidades, para além do crescimento do mercado que se prevê sustentável no prazo de três ou quatro anos (se entretanto não houver nenhuma perturbação inesperada) e em torno dos 3,5% a 4% ao ano, porventura superior, poderão estar sobretudo nas mudanças rápidas dos diversos paradigmas, nomeadamente, a passagem do predomínio da construção nova para a renovação, a sustentabilidade (ambiental, energética, etc.), a alteração dos sistemas e processos produtivos beneficiando a componente tecnológica dos produtos, as mudanças nos hábitos de consumo e o crescimento da componente serviço integrada em soluções. Também não podemos descartar os mercados internacionais que, durante o período mais agudo da crise, assumiram uma dimensão relevante no setor. As oportunidades permanecem e algumas podem até ser potenciadas pelos rearranjos em curso no comércio internacional. Mas precisamos, claramente, mais dimensão e mais cooperação.
A ideia da bolha imobiliária
CE - Como carateriza a atual situação do mercado (estaremos numa bolha imobiliária?)
JM - A ideia da bolha imobiliária tornou-se comum depois da crise financeira. Mas Portugal não teve bolha imobiliária antes e não tem agora. O facto do mercado imobiliário ser menos volúvel que a maior parte dos outros mercado, não significa que não possa ter altos e baixos, períodos de valorização mais rápida e períodos de estagnação ou mesmo de ajustamento. É preciso entender que, apesar dos imóveis serem bem transacionáveis, porque os compradores podem estar em qualquer lugar do mundo, na verdade eles não se movem e é exatamente na apreciação do fator localização que reside o fundamento do respetivo valor. Um imóvel em Lisboa ou mesmo no Porto tem hoje uma valorização que um imóvel semelhante em qualquer outro lugar não possui. Nós conhecemos as razões que justificam esta valorização e que estão ancoradas na procura externa (vistos gold e residentes não habituais) e na sua utilização para atividades turísticas e comerciais, num clima de falta de oportunidades de investimento nos outros setores e de rentabilidade negativa das aplicações financeiras. O crescimento dos preços operou-se num segmento muito limitado e está suportado na respetiva rentabilidade.
CE – Há, de facto, falta de oferta no mercado?
JM - O que há simultaneamente é uma escassez da oferta imobiliária nas áreas urbanas principais, porque a construção esteve parada oito anos e a economia e o emprego recuperaram muito mais depressa do que se esperava. Apareceu uma nova procura gerada pela localização e crescimento dos contactcenters, houve um aumento exponencial da população universitária vinda do exterior, o maior número de empregos criados foi nas atividades turísticas e o turismo onde mais cresceu foi precisamente nas cidades de Lisboa e Porto. A construção nova tem um ciclo longo e nunca inferior a quatro anos e, portanto, só daqui a dois ou três anos poderá começar a dar resposta se houver investidores e financiadores o que, nas condições atuais do sistema financeiro e no quadro da fiscalidade que incide sobre o imobiliário é duvidoso que aconteça com a dimensão que seria necessária. Há a possibilidade do arrendamento e há muitos prédios e frações nas cidades e nos arredores que, com pequenas obras de renovação ou adaptação, poderiam surgir neste mercado, mas a verdade é que o Estado criou obstáculos pela via dos limites ao direito de propriedade e inflacionou as rendas através da carga fiscal que, aliás, aumentou com a introdução do AIMI. Para que o arrendamento seja rentável neste quadro as rendas têm que atingir valores incomportáveis para a grande maioria dos arrendatários. E depois há o risco, pressentido pela experiência passada e pelas medidas que estão no parlamento, dos congelamentos por motivos de proteção social que o Estado não assume e empurra para os senhorios.
CE – O que levou à atual situação, na sua perspetiva?
JM - As dificuldades no acesso à habitação foram criados unicamente pelo Estado, por políticas marcadas pelo preconceito, por fuga à responsabilidade social e por alguma ignorância ou hipocrisia. O problema resolve-se, pelo menos em parte muito significativa, se forem retirados alguns dos ónus e entraves ao arrendamento. Tem algum sentido tributar em IRS o rendimento bruto de uma habitação arrendada de forma igual a um rendimento financeiro? E ainda tributar duplamente em IMI e ainda, nalguns casos em AIMI? E não permitir a amortização do investimento ou a dedução com encargos de manutenção que, em termos médios representam sempre algo que mais que 1% ao ano sobre o valor do imóvel? No fundo, aquilo que temos que perguntar é quanto tem que pagar de renda um inquilino para compensar o investimento do proprietário e encher os cofres do Estado.
CE - Quais as estratégias definidas pela APCMC?
JM - Julgo que algumas das principais preocupações podem ser deduzidas do que já dissemos. Mas há, obviamente, as medidas e as ações que temos em curso e outras em projeto para facilitar a resposta das empresas do setor aos desafios do presente, mas sobretudo os que se podem perspetivar no futuro e aí estamos mesmo a olhar para mais longe. A nossa intervenção naquilo que diz respeito aos patamares da economia e fiscalidade em geral, ou mesmo dos mercados finais do imobiliário e da construção, é feita no âmbito das parcerias e das estruturas associativas em que participamos, aliás, de forma muito ativa, ao nível das respetivas direções – a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal e a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário. No âmbito do nosso setor propriamente dito, permito-me destacar entre muitos outros tópicos, aqueles que foram vertidos em ações que consideramos prioridades estratégicas: formação profissional, capacitação empresarial (financiamento e internacionalização), sistema de informação setorial e modelos de previsão, transformação do modelo de negócio e economia digital. Todas estas ações estão em execução, encontrando-se em diferentes níveis de desenvolvimento e irão perdurar.