“Cerca de metade de todos os pedidos de patente no EPO é agora derivada da área das TIC”
Raimund Lutz é desde 2011 o vice-presidente para os Assuntos Legais e Internacionais do Instituto Europeu de Patentes (EPO, na sigla em inglês), onde é responsável pelos assuntos jurídicos, direito de patentes e relações internacionais. Raimund Lutz tem-se dedicado ao campo do direito de propriedade intelectual e, entre outros, ocupou cargos de liderança no Ministério Federal da Justiça alemão e no Instituto Alemão de Marcas e Patentes. Desde 2006, foi presidente do Tribunal Federal de Patentes da Alemanha e foi chefe da Delegação Alemã no Conselho de Administração da Organização Europeia de Patentes a partir de 2005
Na Europa, em geral, estão as empresas conscientes da importância da propriedade industrial?
Há, de facto, uma consciencialização crescente da importância da proteção da propriedade intelectual na Europa, assim como noutras partes do mundo. A Europa transformou-se numa economia baseada no conhecimento, onde as patentes, também, estão a ser reconhecidas como ativos estratégicos importantes. Como agência de patentes da Europa com a missão de apoiar a inovação, temos um papel importante a desempenhar. Um estudo conjunto publicado pelo EPO e pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) em 2016 mostra que os direitos de propriedade intelectual têm um impacto positivo no Produto Interno Bruto, emprego, salários e comércio na União Europeia (UE). Através do estudo, descobriu-se que cerca de 42% da atividade económica total na UE (cerca de 5,7 triliões de euros anualmente) são gerados por indústrias intensivas de propriedade intelectual, e aproximadamente 38% de todo o emprego na UE (82 milhões de empregos) é em indústrias que têm uma utilização acima da média de direitos de propriedade intelectual. De acordo com o relatório, cerca de metade de todas as indústrias da UE fazem um uso intensivo da propriedade intelectual, com a engenharia, imobiliário, atividades financeiras e de seguros, manufaturas ou veículos motorizados, computadores e farmacêuticas entre as indústrias no top-20 de uso intensivo de propriedade intelectual na Europa.
Essa perceção depende do tipo de indústria?
Existe uma margem considerável para uma maior sensibilização para o impacto da propriedade intelectual entre as pequenas e médias empresas (PMEs), que não beneficiam dos recursos ou experiências das companhias maiores, mas para as quais as patentes podem ser um ativo extremamente importante para debater com investidores. Para promover um melhor entendimento das diferentes formas nas quais a proteção de patentes pode com sucesso ser usada por empresas mais pequenas, publicámos recentemente uma série de casos de estudo sobre PME europeias (www.epo.org/sme). Os estudos fornecem relatos abrangentes de como a propriedade intelectual pode desempenhar um papel importante no desenvolvimento de algumas empresas, mostrando que para algumas PME as patentes têm sido mesmo a base sobre a qual construíram os seus negócios.
Quais são algumas das tendências tecnológicas que observa em termos de pedidos de patente que chegam ao Instituto Europeu de Patentes?
A tecnologia médica tem estado na liderança para pedidos de patentes no EPO mais ou menos na última década. Mas, nos últimos anos, temos observado um rápido crescimento na importância da tecnologia computacional e tecnologia da informação e comunicação (TIC), nas quais as companhias asiáticas e dos EUA têm estado a mostrar uma presença muito forte. Temos estado a ver que as TIC estão a atravessar muitos outros sectores tecnológicos, desde a tecnologia médica ao transporte de energia. Pelas nossas estimativas, cerca de metade de todos os pedidos de patente no EPO é agora derivada da área das TIC. A emergência da Internet das Coisas é uma grande tendência tecnológica que está a ser observada em todo um conjunto de campos técnicos. No final do ano passado publicámos o primeiro estudo “paisagístico” do EPO, intitulado “Patentes e a Quarta Revolução Industrial” (www.epo.org/4IR), com base nas informações mais recentes de patentes para analisar essas tendências. À medida que as patentes são registadas antes que os produtos cheguem ao mercado, as informações sobre as patentes podem oferecer conhecimentos exclusivos sobre o rumo de uma tecnologia e sobre quais as empresas e países que estão na liderança. O relatório sublinha o avanço rápido de tecnologias relacionadas com objetos autónomos: os pedidos de patentes europeias relacionados com objetos inteligentes conectados cresceram em 54% entre 2013 e 2016 (comparado com 8% de crescimento entre todas as tecnologias). De acordo com o estudo, Europa, EUA e Japão são os líderes nestes campos, mas a China e a Coreia do Sul estão rapidamente a recuperar terreno. Dentro da Europa, a Alemanha e França estão acima de tudo em invenções relacionadas com objetos inteligentes.
Quais são algumas das tendências na área dos transportes, por exemplo?
Acabámos de publicar um novo estudo sobre as mais recentes tendências nas tecnologias de autocondução refletidas em patentes (www.epo.org/sdv). O estudo, elaborado em cooperação com o Conselho Europeu de Investigação e Desenvolvimento Automóvel, mostra que os pedidos de patente no EPO para condução de veículos autónomos cresceram acentuadamente: de 2011 a 2017, os pedidos de patentes no EPO para condução de veículos autónomos subiram em 330%, que compara com 16% entre todas as tecnologias (i.e., 20 vezes mais rápido) no mesmo período. O EPO recebeu quase 4000 pedidos de patentes relacionadas com condução de veículos autónomos apenas em 2017. O estudo também mostra que metade do top 25 de empresas ativas neste campo no EPO, incluindo as no top quatro de pedidos, são empresas não tradicionais da área automóvel/transportes, mas empresas da área das TIC. Uma divisão por regiões mostra que a Europa e os EUA têm uma liderança forte na inovação de veículos autónomos, cada um representando cerca de um terço de todos os pedidos de patentes apresentados nestas tecnologias no EPO.
Qual é o estado do projeto de Patente Unitária. Quando é que as empresas podem esperar usar esta nova opção?
O pacote de patentes unitárias está a caminho de entrar em operação. Um mínimo de 13 estados –incluindo o Reino Unido, França e Alemanha – deve ratificar o Acordo sobre o Tribunal Unificado de Patentes (UPC) antes que o sistema de Patentes Unitárias possa entrar em vigor: até agora 16 países ratificaram, incluindo a França e o Reino Unido. Ainda falta a finalização da ratificação alemã: o projeto de lei passou pelas duas casas do parlamento alemão, mas foi contestado por uma pessoa perante o Tribunal Constitucional. O Tribunal ainda está a considerar a admissibilidade da denúncia. O EPO aguarda com expectativa a decisão do Tribunal nos próximos meses. Esperamos que a Patente Unitária possa tornar-se uma realidade em breve. A cobertura uniforme em toda a UE proporcionará uma proteção legal mais forte para os inovadores de todo o mundo que desejarem patentear suas invenções na Europa. Simplificará os procedimentos e reduzirá os custos para as empresas, o que é especialmente importante para as PME e institutos de investigação. É uma necessidade económica para a Europa, se quisermos competir com outras regiões.