“Era essencial esta clarificação do regime dos segredos comerciais e a sua autonomização”
Nomeado em março de 2017 presidente do conselho de administração do ISQ - Instituto de Soldadura e Qualidade, para o triénio 2017-2019, Pedro Matias, licenciado em Gestão de Empresas e mestre em Economia e Gestão de Ciência, Tecnologia e Inovação, já desempenhou vários cargos em empresas e na Administração Pública portuguesa. O ISQ é uma entidade privada, independente, com sede em Portugal e que oferece aos clientes um vasto conjunto de serviços de Engenharia, Consultoria Técnica, Inspeções Técnicas, Ensaios e Testes e desenvolve também atividades de I&D
Que avaliação faz do novo Código de Propriedade Industrial?
Como sabemos, o código ainda não entrou em vigor, por isso, o que podemos referir são considerações gerais. Em primeiro lugar, considero muito positiva a ampla auscultação que foi efetuada a diversas entidades. Aliás, ao próprio ISQ, por intermédio da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, foram pedidos contributos ao projeto de Código. No que respeita ao Código, é de salientar que o mesmo foi além das necessárias transposições de diretivas (Diretiva dos Trade Secrets e a nova Diretiva de Marcas), o que é muito importante. Da análise às alterações, gostaria de salientar as que considero que mais inovação vão introduzir ao atual Sistema de Propriedade Industrial, desde logo, a possibilidade de novas formas de representação dos sinais suscetíveis de constituir uma marca. A limitação anterior, de os sinais serem necessariamente representados em forma gráfica, limitava sobremaneira as novas tipologias de marcas não tradicionais que têm vindo a aparecer no mercado (marcas sonoras, de movimento, multimédia, hologramas, etc.). Outro aspeto a salientar é o novo procedimento administrativo para a declaração de nulidade ou anulação dos registos, que anteriormente era da exclusiva competência do Tribunal da Propriedade Intelectual (TPI). Antevejo aqui um novo desafio para Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que terá de lidar com esta nova realidade de forma célere e eficaz. Para as Pequenas e Médias Empresas, isto é muito interessante e penso que poderá trazer vantagens, desde logo, uma forma administrativa mais expedita, célere e menos onerosa.
Poderia este novo Código ir mais longe? Em que matérias?
Há sempre possibilidade de ir mais longe, ainda para mais numa matéria como esta em que o reforço da proteção dos direitos de propriedade industrial é unanimemente reconhecido como fundamental para o sucesso e competitividade de qualquer empresa. Tudo o que se possa simplificar permite uma utilização mais eficaz e eficiente. Hoje em dia, o legislador devia utilizar um conceito que se usa muito na atividade empresarial que é o “user experience”, isto é, depois de um determinado produto ou serviço estar pronto, deve-se testar como é a real experiência de utilização. A legislação devia ser desenhada para ser aplicada e compreendida por pessoas comuns.
Quais as falhas e o que poderia ser alterado?
Considero que se perdeu a oportunidade de eliminar, ou pelo menos clarificar, a figura jurídica do logótipo, cuja aplicabilidade prática tanta confusão traz com as próprias marcas.
A proteção ora prevista para segredos comerciais era essencial?
Absolutamente. Era essencial esta clarificação do regime dos segredos comerciais e a sua autonomização. O CPI, com a transposição da diretiva dos “trade secrets” para o ordenamento jurídico interno, sistematizou e densificou o regime aplicável aos segredos comerciais. Os segredos comerciais são, hoje em dia, uma ferramenta essencial para as empresas, a par das patentes, ou outros direitos de propriedade intelectual. A confidencialidade é fulcral para qualquer empresa e é também um instrumento de gestão da competitividade empresarial e da inovação na investigação, que hoje abrange não apenas o “know how” tecnológico, mas também dados comerciais e de estratégia de mercado. Por isso, considero essencial a adoção de um quadro legal reforçado que desincentive o roubo e a espionagem económica. O ISQ, como maior infraestrutura tecnológica nacional e com reconhecidas atividades de investigação e inovação, reconhece a importância do recurso ao regime dos segredos comerciais, como complemento até à proteção dos direitos de propriedade intelectual.
Concorda com a extinção da arbitragem necessária nos litígios de patentes decorrentes de pedidos de introdução de medicamentos genéricos no mercado?
Considero positiva a revogação do regime de arbitragem necessária no âmbito que refere. Na verdade, a conjuntura em que esse regime foi instituído alterou-se e, por isso, parece-me bastante positivo deixar a escolha – entre o recurso ao Tribunal da Propriedade Intelectual ou em alternativa à arbitragem voluntária –para as partes.
A propriedade industrial é essencial para a evolução da economia digital?
Sem dúvida, é essencial! Também aqui os desafios em causa são cada vez maiores – vejam-se, por exemplo, as questões que se levantam quando se fala em inteligência artificial e a titularidade das criações efetuadas por computadores ou robôs. É um novo mundo. A partir do momento que uma máquina tem capacidade para pensar por ela e que produz por exemplo um poema, uma pintura, uma canção ou um novo algoritmo, quem é o autor? A máquina ou quem inventou a máquina? Claro que, em última instância, se pode sempre desligar a ficha da máquina... Como sabemos, é a propriedade industrial que faz mover a inovação na área da inteligência artificial e na forma revolucionária como as empresas oferecerão os seus produtos e serviços, na medida em que é a PI que oferece aos agentes económicos a recompensa para que continuamente invistam em I&DT. A inteligência artificial coloca por isso grandes desafios aos conceitos tradicionais da propriedade intelectual, designadamente ao nível de como serão protegidas as invenções criadas pela própria inteligência artificial… Dá que pensar.
A inovação e desenvolvimento e a sua respetiva proteção via propriedade industrial interligam-se com a garantia da qualidade?
Pode existir tal ligação, aliás, uma das funções clássicas da marca é a garantia da qualidade, pois sabe-se que o consumidor, perante uma marca, faz imediatamente uma associação de uma forma intuitiva às qualidades dos produtos ou serviços que a mesma assinala.
Considera intuitivo que todo o regime de concorrência desleal seja regulado pelo Código da Propriedade Industrial e não por diploma próprio?
Na minha opinião, faria sentido a concorrência desleal estar regulada em diploma autónomo, uma vez que os casos de concorrência desleal estão longe de estar limitados às situações em que há violação de um direito privativo de propriedade industrial, estando dispersos por inúmeros diplomas. A sistemática em que se encontra a concorrência desleal decorre de uma visão restritiva deste instituto jurídico.
O que falta ainda ao tecido empresarial português para investir na proteção de toda a inovação que é desenvolvida nas sociedades comerciais nacionais?
Apesar de já existirem ações de promoção sobre esta matéria, não será de mais reforçar a necessidade de mais promoção destes direitos junto das empresas, das universidades, dos centros tecnológicos, das “startups”. No entanto, o tecido empresarial português está hoje muito mais atento a esta necessidade de proteger a sua inovação. A realidade de hoje é muito diferente daquela que tínhamos há uns anos, em que havia um total desconhecimento por parte das empresas da importância da proteção dos seus direitos. A situação tem vindo a alterar-se com o decurso dos últimos anos e isso está espelhado no aumento ao nível da procura de marcas e patentes no INPI. A Web Summit e a nova vaga de criação de “startups” a partir de Portugal, mas que têm uma ambição global e são criadas por pessoas com uma visão internacional dos negócio,s vai alterar, em muito, esta realidade e para melhor.
Ao nível da ligação entre os países da Lusofonia, o que pode trazer este novo código?
Os países lusófonos acabam por se basear muito nas nossas leis, o que é positivo, e este novo código com certeza não será exceção. Quanto mais harmonizadas estiverem as soluções legislativas dos países que integram o espaço lusófono, mais facilmente os agentes económicos atuam e fazem trocas comerciais nos vários mercados da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A marca lusófona, uma ambição desde há muito debatida, ainda não viu a luz do dia. Portugal e os países da Lusofonia teriam todo o interesse em liderar uma iniciativa inovadora como esta. Até está no Programa do Governo. Não se percebe porque não avança. O ISQ, por exemplo, está presente em muitos países da Lusofonia e seria muito interessante ter este instrumento. Fica o desafio à Ministra da Justiça. O Governo deve retomar este tema. A Lusofonia é um espaço próprio e único que devemos privilegiar e dele tirar partido.