Empresas da nova economia agravam perdas
Verizon, Uber, WeWork e Farfetch são alguns exemplos de tecnológicas que perderam avultadas somas de dinheiro. Como em muitos outros casos, são empresas cujo foco de crescimento não assenta na geração de “cash-flows” positivos ou na capacidade da “start-up” gerar lucros no futuro, acarretando avultados prejuízos para os investidores.
Espera-se que as autoridades de regulação e supervisão tenham um papel muito mais vigilante e atuante na prevenção destes casos.
A Verizon, com 92 milhões de assinantes, é a maior operadora de telemóveis nos EUA. Em 2017, a Verizon comprou a Yahoo por um valor próximo dos 4 mil milhões de dólares. Incluído na compra da Yahoo vinha a Tumblr, uma plataforma de blogging que tem alojados 475 milhões de blogues, e que permite aos usuários publicarem textos, imagens, vídeos, links, áudio e diálogos. A Yahoo tinha comprado a Tumblr em 2013 por um valor próximo dos 1100 milhões de dólares. A Verizon decidiu agora em 2019 fazer o “spin-off” da Tumblr e vendê-la à Automattic, uma empresa americana de desenvolvimento de software, dona do WordPress (que permite criação personalizada de sites), por um valor estimado pela Axios em 2,7 milhões de dólares (o valor exato da transação não foi divulgado), ou seja, aproximadamente 370 vezes MENOS do que aquilo que a Yahoo tinha pago somente há seis anos atrás. Uma destruição gigantesca de valor cada vez mais frequente neste mundo dos investimentos nas empresas tecnológicas.
A Uber, que dispensa apresentações, fundada em 2009 por Travis Kalanick, e cujo aplicativo (hoje raros são os que não têm o aplicativo da Uber instalado no iPhone ou no Android) foi lançado em 2010, entrou em bolsa em Maio de 2019, com uma avaliação de uns 80 mil milhões de dólares (as ações saíram a 45 dólares na OPV). Isto depois de estar desde o início (9 anos consecutivos) a ter prejuízos anuais monumentais, perdendo 4,5 mil milhões de dólares só no exercício de 2017, 1,8 mil milhões de dólares no exercício de 2018, e 1 000 milhões de dólares no primeiro trimestre de 2019, ou seja nos três meses anteriores à OPV. Não consegui obter os prejuízos acumulados em todos os anos desde o início, mas a Uber deve ter “torrado” desde a fundação em 2010 bem para cima dos 10 000 milhões de dólares, e isto sem contar que só no segundo trimestre de 2019, ou seja imediatamente a seguir à OPV, o prejuízo foi de uns horripilantes 5.2 mil milhões de dólares. Deste total, 1,3 mil milhões foram prejuízo operacional (a Uber perde atualmente por trimestre, números redondos, uns 1000 milhões de dólares), e o remanescente, ou seja 3,9 mil milhões de dólares, foi devido a que a Uber teve de remunerar os acionistas que financiaram a companhia até à OPV! Ou seja, os investidores que estavam na posse das ações preferenciais e restritas da Uber provavelmente “já têm o deles”, ou pelo menos a maior parte do seu investimento seguro, pago pois com o dinheiro dos tansos que entraram na OPV de maio, e que viram as suas expectativas de estar a investir na “nova Amazon” goradas, pois as ações da Uber estão a 27 dólares, 40 % menos do que o valor de saída em bolsa! O CEO da empresa acha que a Uber vai entrar num círculo virtuoso de lucros a partir de 2020 / 2021, mas isso é o que ele é pago para dizer. Sem ser um guru, baseado apenas na observação empírica assente na experiência que acumulei no mercado, e numa boa dose de sentido comum, eu diria que a Uber provavelmente nunca venha a dar um cêntimo de lucro, pois não tem, como a Amazon, um modelo de negócio dificilmente replicável, e o número de concorrentes em todas as áreas de negócio (transporte, distribuição de comida via UberEats, etc.) só tem vindo a aumentar, porque a tecnologia não é uma barreira à entrada de novos players. Quem como eu usa estas plataformas de transporte já se terá apercebido que por exemplo a BOLT, que também está presente em Portugal, funciona tão bem ou melhor, com carros iguais (novos, limpos), e a um custo notavelmente inferior. Vários motoristas da Uber com quem falo indicam-me que se há uns 3 anos atrás conseguiam tirar uns 2000 euros por mês, hoje, têm sorte se chegam a um rendimento mensal de 800 euros. Por isso há muitos que já não trabalham em exclusividade com a Uber, inscreveram-se em duas ou 3 plataformas (Bolt, MyTaxi, etc.), e trabalham pois para várias. Nuvens negras para a Uber, e muito piores ainda para os incautos que compraram ações na OPV de Maio deste ano, a julgar que iam enriquecer.
A WeWork é dos casos mais extraordinários que vi até hoje no meio destes casos escandalosos da New Economy, como se costuma agora chamar esta economia de casino que divide os investidores em dois grupos, os financiadores iniciais das startups, e os pacóvios que entram nas OPV inflacionadas, permitindo aos primeiros recuperar o seu investimento mais o correspondente lucro. A “terra queimada” fica para os incautos que investiram na OPV, bancando os prejuízos quando as ações caem abaixo do valor de saída. Este movimento do mercado é tão eterno e repetitivo como as ondas do mar. Lembremo-nos que a economia bolsista de casino bateu também à porta em Portugal no início dos anos 70 do século passado (Torralta e outras tantas...), há quase 50 anos atrás... O mais espantoso no caso do escândalo da WeWork, que ia fazer uma OPV em Setembro deste ano com base numa avaliação de 47 000 milhões de dólares (valor da dívida que carrega em livros), é ter conseguido que o mercado a avaliasse como uma companhia tecnológica, quando não passa de uma companhia imobiliária que compra imóveis e arrenda espaços de coworking! O folheto de oferta de ações para a OPV, um brilhante instrumento de marketing, era aparentemente de tal maneira tendencioso e incongruente que a OPV acabou por estourar e não se realizar. A avaliação anda pelos 5000 milhões, só e apenas porque um dos investidores institucionais, o Softbank, que investiu quase 10.000 milhões de dólares na WeWork, lhes deitou a mão e evitou, para já, o colapso. A WeWork perde 2000 milhões de dólares por ano, terá que despedir para já 5000 dos 15 000 trabalhadores, e se os financiadores não lhes deitarem a mão, possivelmente não tenha dinheiro para chegar ao fim do ano.
O fundador, Adam Neumann, um homem cujo ego é considerado emblemático, foi afastado da posição de CEO na sequência do escândalo, mas levou para casa um “golden parachute” (“aperto de mãos“) de, pasme-se, 1,7 MIL MILHÕES de dólares. Felizmente aqui não houve incautos, porque não chegou a haver OPV, e os banqueiros e investidores institucionais andam neste preciso momento desesperados a ver como conseguem salvar algo daquilo que meteram na WeWork... “Good luck”, mas que percam didaticamente muito.
A Farfetch, uma empresa criada por um português, José Neves, sediada em Londres, que transaciona vestuário e acessórios de moda de luxo online, é uma das que atingiram o estatuto de “unicórnio” (empresa com valor superior a 1000 milhões de dólares atribuído pelo mercado) recentemente. A Farfetch ainda não deu um cêntimo de lucro, antes pelo contrário. Os prejuízos têm vindo a crescer com o crescimento da empresa via aquisições e crescimento orgânico. 82 milhões de euros de prejuízo em 2016, 112 milhões em 2017, 156 milhões em 2018. A OPV da Farfetch foi em Setembro de 2018, as ações foram oferecidas no intervalo de 17/ 19 dólares e, logo nas primeiras 24 horas, subiram a 30 dólares, valorizando a companhia em 6000 milhões de dólares. As ações cotizam hoje nos 9 dólares (metade do valor da OPV) e a Farfetch enfrenta vários processos judiciais de investidores agrupados na Shareholders Foundation que se sentem enganados, afirmando que o prospeto da OPV não mencionava uma série de riscos que hoje estão evidentes no modelo de negócio da Farfetch (volatilidade no pricing, fazer saldos de bens de luxo, vulnerabilidade a pressões de fornecedores, política agressiva de aquisições para atingir massa crítica). O facto é que os prejuízos da Farfetch aumentam na proporção do aumento das vendas... Ou seja, quanto mais vende, mais perde. Grandes desafios pela frente para sanear o modelo de negócio, se é que será possível.
Investidores institucionais correm risco
Podia encher dezenas de páginas da VE com exemplo atrás de exemplo dos excessos do mercado financeiro na
determinação do valor dos “unicórnios”. Excessos assentes como sempre na profunda estupidez do ser humano quando é mordido pelo terrível bichinho da ganância. O foco no crescimento, e apenas no crescimento, sem qualquer consideração na geração de “cash-flows” positivos, ou da capacidade da “start-up” para gerar lucros a futuro, tem sido o princípio exclusivo que tem norteado o mercado financeiro no momento de fazer avaliações de empresas da área tecnológica e da New Economy, como a WeWork, quando pretendem fazer uma OPV. Que os investidores institucionais corram o risco e invistam o seu dinheiro na roleta, e o percam, é lá com eles. Que pretendam recuperar o que investem mais um suculento lucro à custa dos incautos que julgam que estão a colocar as suas poupanças na próxima Amazon ou Facebook, raia hoje em muitos casos, como neste da WeWork, o criminoso. Espera-se pois das autoridades de regulação e supervisão um papel muito mais vigilante e atuante na prevenção destes casos, que frequentemente deixam um rasto de destruição esmagador na vida de muitos seres humanos. Ainda fico arrepiado quando penso no caso verídico do Ian Thiermann, um idoso da Califórnia, de 90 e tal anos de idade, que perdeu as poupanças de uma vida pela mão de investimentos ruinosos feitos pelo Madoff. Como nos EUA não há uma rede de amparo social que evite as pessoas que ficam sem nada de virem viver para a rua (ainda está a pagar a hipoteca da casa), o velhinho salvou-se desse terrível destino graças a que o dono de uma loja local, da qual era um grande cliente nos tempos áureos, lhe deitou a mão, e lhe deu um emprego como vendedor na loja.
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