“Temos condições para sermos mais ambiciosos”
Para obter um crescimento económico sustentado e robusto, é preciso lançar “políticas públicas de produtividade e crescimento que permitam olhar o futuro com mais ambição”. Esta é a opinião de Rui Leão Martinho, bastonário da Ordem dos Economistas, na véspera da realização da 15ª Conferência Anual da Ordem dos Economistas, agendada para o próximo dia 15 de janeiro, na Fundação Calouste Gulbenkian, e que tem por tema principal a carga fiscal no OE2020.
Vida Económica - Que expetativas estão reservadas para a grande Conferência Anual da Ordem dos Economistas?
Rui Leão Martinho - A 15ª Conferência da Ordem dos Economistas dará continuidade à habitual discussão do Orçamento de Estado em cada ano, sendo, efetivamente, um acontecimento que é conhecido pela qualidade, rigor e independência na análise daquele diploma. Tal continuidade apenas tem sido possível devido, por um lado, ao reconhecimento por parte dos nossos associados de que a Conferência atinge anualmente um nível superior e, por outro, pelo valioso apoio do Banco de Portugal.
VE - O que considera mais e menos positivo no Orçamento de Estado para 2020?
RLM - De acordo com o cenário macroeconómico traçado, este será o primeiro ano de democracia em que haverá um excedente orçamental das contas públicas. Isso é, sem dúvida, de salientar como sendo o mais positivo, pois marca uma inversão que se deverá manter para fazer face a anos de acumulação de défices, bem como para permitir uma diminuição da dívida pública que se mantém em níveis elevados.
A função redistributiva para atender aos mais necessitados e à exclusão continua a ser prioritária, mas penso ser de aperfeiçoar as medidas para as tornar mais eficazes.
O que considero menos conseguido é o que se refere à tributação das famílias, nomeadamente através do IRS que deveria ter revisto os vários escalões de rendimentos, permitindo que os portugueses disponham de maior rendimento disponível após o pagamento dos impostos. O sistema de impostos sobre o rendimento continua com uma das mais elevadas progressividades da União Europeia e deverá ser revisto logo que possível. E, igualmente, no que se refere às empresas e à necessidade de captar investimento, diminuir o IRC de forma a que sejamos competitivos com os restantes países da UE, nomeadamente com os países da Europa de Leste. As restantes medidas relativas aos lucros reinvestidos e para as PME do interior do país são de relevar mas terão um impacto reduzido sobre as empresas.
Por fim, é também possível denotar a ausência de reformas estruturais significativas, evidente, por exemplo, ao nível do saldo da Segurança Social, que deverá passar de um excedente de 0,8% do PIB em 2020 para um défice de 0,2% em 2030.
E, claro, para obter um crescimento económico sustentado e robusto, lançar políticas públicas de produtividade e crescimento que permitam olhar o futuro com mais ambição.
VE - Várias associações empresariais (CIP, CCP, AEP, AIP, CTP, entre outras) já se manifestaram dizendo que as medidas contempladas no OE2020 não são suficientes para aumentar a competitividade das empresas. A Ordem dos Economistas pensa o mesmo?
RLM - A competitividade da economia portuguesa tem-se mantido constante nos últimos dois anos, pelo menos é o que evidencia o ranking do World Economic Forum, que coloca Portugal na 34ª posição de 140. A dimensão do mercado interno colocou limitações durante a crise, obrigando a que o foco seja a exportação. Assim, nestes últimos anos, as empresas portuguesas foram obrigadas a uma grande adaptação, pois viram como único caminho o mercado externo, passando a competir diretamente a uma escala global.
A nível de competitividade, mais tem sido conquistado à própria custa dos empresários portugueses, que, fruto da adaptação “forçada” a uma nova situação, conseguiram reverter inúmeras vulnerabilidades, sendo também responsáveis por um grande contributo para o atual estado das contas públicas.
Da parte do Governo, esperam-se medidas capazes de promover um melhor clima para a competitividade, através da redução da burocracia, da facilitação de licenciamentos, de incentivos fiscais e, claro, ao nível da internacionalização.
Classe média e tecido empresarial privado suportam aumento da carga fiscal
VE - Para 2020 está previsto novamente um valor recorde de receita fiscal. Quem vai suportar esse aumento?
RLM - Efetivamente, segundo a proposta de Orçamento, estima-se que o peso dos impostos e das contribuições sociais se situe em cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Este aumento será sobretudo suportado pela classe média e pelo tecido empresarial privado.
VE - Está prevista um inversão do ciclo de crescimento económico a nível europeu e internacional. Que pensa a Ordem dos Economistas sobre este tema?
RLM - De acordo com as principais instituições, a economia estará efetivamente a entrar num período de abrandamento. O crescimento esperado para 2020 é de 1,9%, sendo inferior ao de 2019. Esta desaceleração sincronizada preconiza a entrada num novo ciclo económico, pois voltámos ao ritmo mais baixo desde a crise financeira. No centro destes desenvolvimentos estão fatores a que ninguém poderá ficar imune, tais como, as guerras comerciais, a incerteza política gerada pelo “Brexit” e a escalada de tensões geopolíticas, como os recentes desenvolvimentos entre o Irão e os EUA.
Contudo, esperemos que daí não advenha uma nova crise, mas apenas um período de mais baixo crescimento.
VE - Acha que a banca e o sistema financeiro português já estão devidamente consolidados?
RML - Esperemos que sim. Os casos mais graves que se verificaram no passado recente dificilmente se poderão repetir atualmente. Foram entretanto tomadas medidas, a nível europeu e localmente, para resolver esses casos ao nível da supervisão bancária.
Relativamente ao atual panorama da banca, temos indicadores que denotam uma redução do crédito malparado, encontrando-se atualmente, segundo o BdP, nos 7,7% do total de empréstimos. No que diz respeito à consolidação, a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em 2018, veio contribuir para a solidez do sistema. Adicionalmente, um bom prenúncio desta consolidação é a previsão de dividendos na ordem dos 705 milhões de euros, provenientes da CGD e do Banco de Portugal.
VE - Um dos grandes problemas do país é não conseguir reter o talento. A resolução deste problema passa pela melhoria das condições salariais e de carreira ou é um problema mais profundo, envolvendo a qualidade de gestão dos dirigentes?
RLM - Seja ao nível de país, seja ao nível empresarial, a retenção de talentos é um dos mais difíceis problemas de solucionar. Há sempre que estar atento ao nível remuneratório de cada função, ainda mais à evolução nas carreiras e ao enquadramento fiscal.
Hoje, na União Europeia, é fácil comparar, em qualquer profissão ou especialidade, as condições de trabalho e as perspetivas de percurso profissional. Pode-se gostar muito do país em que nascemos, estudamos e onde está a família, mas se as condições de trabalho e de evolução nas carreiras não forem deveras competitivas, é natural que se procure noutro país o trabalho que melhor valoriza a preparação que cada um tem. Portugal tem tentado conseguir, através de algumas medidas fiscais, recuperar alguns dos portugueses que partiram. Porém, além de ser ainda cedo para se tirar uma conclusão, as medidas parecem algo tímidas, quando deveriam ser mais arrojadas para efetivamente ver alguns dos nossos talentos regressarem ou aqueles que entram agora no mercado de trabalho preferirem aqui exercer as suas profissões.
VE - Com o Ano Novo a começar, que mensagem gostaria de transmitir?
RLM - Em Portugal, a situação atual é de alguma estabilidade e continuidade, embora num quadro de alguma estagnação. Mas temos condições para sermos mais ambiciosos e nos tornarmos mais competitivos, melhorarmos a produtividade e convergirmos com a União Europeia (EU).
Um Orçamento do Estado equilibrado, com superavit e com alguma descida da dívida pública relativamente ao PIB, permite-nos pensar que deveremos entrar com ambição na realização das reformas necessárias, aliás contidas na sua maioria no Plano Anual de Reformas, aprovado há alguns meses atrás, para alcançarmos melhores resultados em termos de criação de riqueza, competitividade e crescimento económico.
A começar, a melhoria da qualificação dos portugueses, da sua formação e educação, com base na valorização do mérito, sem facilitismos e de forma a sermos competitivos com a esmagadora maioria dos restantes países da UE.
Depois, a tão falada reforma da administração pública, preparando-a, aliás, como toda a sociedade portuguesa, para o rápido desenvolvimento tecnológico e a digitalização. Igualmente, a demografia deve merecer a devida atenção. Incrementar a natalidade com medidas atrativas para os jovens casais, reformar a segurança social (ajustando os vários fatores que a condicionam como a diminuição da população ativa ou o aumento da esperança de vida), criar condições para um verdadeiro envelhecimento ativo.
Os portugueses têm este longo caminho a fazer, mas este será possível com ambição, vontade política e com o objetivo bem claro de estarmos a preparar o futuro para os nossos filhos e netos.
Economistas debatem carga fiscal no OE2020
O novo enquadramento fiscal previsto no Orçamento do Estado para 2020 será um dos principais temas da 15ª Conferência Anual da Ordem dos Economistas, agendada para o próximo dia 15 de janeiro, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Para a apresentação da conferência é esperado o ministro do Estado e das Finanças, Mário Centeno, a qual contará também com o bastonário dos Economistas, Rui Leão Martinho, e a presidente da FCG, Isabel Mota.
O painel dedicado à fiscalidade contará com uma apresentação a cargo do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, e um conjunto de comentadores no qual se incluem Carlos Lobo (jurista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do XVII Governo Constitucional), Carlos Loureiro (“chairman” da Deloitte Portugal) e Jaime Esteves (“tax lead partner” da PwC).
Durante a manhã, o painel dedicado aos “Impostos e Taxas no OE 2020” será antecedido por um debate geral sobre o Orçamento do Estado após a apresentação e análise pelo secretário de Estado do Orçamento, João Leão, e tendo como comentadores António Correia de Campos (presidente do Conselho Económico e Social e ex-ministro da Saúde do XIV e XVII Governos), Nazaré Costa Cabral (presidente do Conselho das Finanças Públicas) e Rui Baleiras (coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental – UTAO).
Da parte da tarde, haverá lugar ainda para dois outros painéis, sendo um deles dedicado às “Políticas Públicas” e tendo como orador Paulo Neto (coautor do livro “Políticas Públicas, Economia e Sociedade”) e o outro – de encerramento da Conferência Anual – a cargo da “Missão Crescimento” e incluindo, para além do orador Jorge Marrão, as participações de António Saraiva, Luís Filipe Pereira, Paulo Carmona e Rui Leão Martinho.
Para o encerramento desta grande Conferência Anual da Ordem dos Economistas é esperada a presença do Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.
Na véspera, dia 14 de janeiro, terá lugar também pelas 18h30, no INDEG-ISCTE, a “Real-Life Master Class Debate Orçamento de Estado 2020”, coorganizada pela Ordem dos Economistas e com a presença de Rui Leão Martinho, Carlos Loureiro, Rosa Areias e Tiago Caiado Guerreiro.
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