Nova Compliance Lab suscita interesse crescente entre profissionais e investigadores
O Nova Compliance Lab é um grupo de investigação do Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) da Nova School of Law. Julia Gracia admite que se trata de um conceito que atrai um número crescente de investigadores e profissionais, o que traduz sobretudo o interesse dos temas tratados, designadamente ao nível da anticorrupção. As atividades do NCL tiveram início em julho do ano passado.
Julia Gracia.
Vida Judiciária – Qual a justificação e a pertinência na criação do NCL?
Julia Gracia e Izabel Albuquerque – O NCL nasceu a partir da investigação aplicada de duas doutorandas da Nova School of Law, Julia Gracia e Izabel Albuquerque, as quais são orientadas pelo Professor Francisco Pereira Coutinho. O número elevado de pedidos de adesão ao NCL por profissionais e investigadores demonstra o interesse que os temas tratados no laboratório têm neste momento em Portugal.
VJ - Quais são os objetivos de investigação do NCL?
JG e IA – O NCL pretende ser um laboratório de ideias vocacionado para o estudo interdisciplinar do Compliance, em particular do Compliance Anticorrupção.
VJ - Qual o background dos investigadores do NCL e que apport diferenciado trazem ao processo de investigação?
JG e IA – O NCL integra académicos, advogados, compliance officers e auditores. Esta diversidade é uma das suas mais-valias. O NCL é um laboratório de investigação puramente académico.
VJ - Que atividades têm sido dinamizadas pelo NCL?
JG e IA – Já organizamos seminários e workshops, cujos programas se encontram publicados na nossa página da internet https://novacompliancelab.cedis.fd.unl.pt/.
VJ - Que relações esperam estabelecer fora do mundo académico e que contributo esperam trazer?
JG e IA – O NCL está aberto a parcerias que permitam avançar com ações conjuntas para a investigação de temas relacionados com o Compliance que nos permitam elevar a qualidade da nossa produção científica.
VJ - Qual a importância da conexão entre a academia e os setores privados, públicos e, concretamente, da sociedade civil, nas plataformas de transmissão de conhecimento relativo ao Compliance?
JG e IA – A academia surge como catalisadora do diálogo entre estes setores, diálogo este que reputamos como essencial para a partilha das eventuais dificuldades e consequente procura de soluções, sempre de forma conciliatória, produtiva e construtiva; permite também a partilha de histórias de sucesso que possam servir de inspiração para outras organizações ou pessoas.
VJ - Quais os pontos de contacto entre a realidade portuguesa, brasileira e espanhola (zonas de investigação referencial definida pelo NCL) no que concerne ao Compliance? E quais os pontos de divergência?
JG e IA – Este é justamente o trabalho de investigação que estamos a desenvolver. Esperamos publicar, ainda este ano, trabalhos comparativos sobre o Compliance em Portugal e Espanha e, no próximo ano, sobre o Brasil.
VJ - Qual a justificação de estudo dessas zonas concretas e, complementarmente, que outras realidades poderão servir de referência no trabalho de investigação a ser realizado no NCL?
JG e IA – O estudo dos temas está ligado às áreas de interesse dos membros do NCL. No futuro, outras realidades podem ser analisadas, fruto de novos interesses ou de ações conjuntas via parcerias.
VJ - Existe algum modelo de Compliance que se adeque, atentas as especificidades do tecido empresarial, à realidade portuguesa?
JG e IA – Não existe um “modelo” de programa de Compliance. A ideia de um Compliance estandardizado pode ter como consequência a ineficiência do programa, já que este deve ser adequado a cada realidade empresarial e aos riscos concretos. Para tal, é necessário que a empresa considere diversas variáveis, como por exemplo: a complexidade do seu universo operacional; o número de funcionários, parceiros e colaboradores; o grau de risco da sua atividade; se o mercado em que atua é mais ou menos regulado. No caso da prevenção da corrupção, as melhores práticas identificam certas questões que contribuem para um programa adequado, tais como: a cultura organizacional voltada para a ética corporativa, com um código de conduta e de ética; se existe o comprometimento e o apoio da liderança ao programa, em especial o chamado tone at the top; se há uma instância responsável com autonomia e independência suficientes para realizar a função de Compliance; a análise dos riscos; o canal de reporte. Mas isto não significa uma padronização, já que o programa deve ser adequado aos riscos que a empresa enfrenta, bem como à natureza, dimensão e complexidade das atividades desempenhadas pela organização.
VJ - Quais os ganhos e, principalmente, quais os custos inerentes à implementação de um programa de Compliance?
JG e IA – Tudo dependerá da complexidade do programa de Compliance. Além dos fatores acima mencionados, a maturidade e o grau de conformidade que a organização já possua influenciam o processo de implementação. Quanto aos ganhos, diversas pesquisas já demonstram que implementar um programa de Compliance pode contribuir diretamente para o sucesso da organização, a sua perenidade e o seu crescimento sustentável. Quando a empresa reavalia os seus riscos e redefine processos internos com base em tais riscos, isto pode vir a ter impacto positivo na sua efetividade e, consequentemente, em ganhos económicos. Por outro lado, não podemos esquecer que uma eventual infração à lei ou a regulamentos internos pode trazer diversas consequências negativas, desde sanções pelas autoridades competentes, a dano reputacional e perda de confiança na organização, quer de parceiros de negócios, quer de clientes, quer de investidores e até dos seus próprios colaboradores.
VJ - Faz sentido, para uma PME, numa consideração custo/benefício, implementar um programa de Compliance?
JG e IA – Sim. O Compliance para as PMEs deve ser pensado em termos proporcionais e a aplicação das boas práticas considerar as circunstâncias específicas, tanto internas (como o tamanho da organização ou os recursos de que dispõe), como as externas (quão regulado é o mercado em que atua, por exemplo). Mas isto não quer dizer que a implementação seja custosa ou difícil. Ter um programa de Compliance não deve ser visto como um fim em si mesmo, mas sob uma perspetiva instrumental: destina-se a manter, melhorar ou mesmo criar a cultura ética, a avaliação dos riscos da atividade e o respeito aos requisitos legais ou regulatórios. Reforçar tudo isto supõe uma mais valia para a empresa, com os mesmos ganhos mencionados anteriormente.
Izabel Albuquerque.
VJ - Quais são as novas tendências na implementação dos programas de Compliance?
JG e IA – A tecnologia pode trazer um contributo muito importante; um exemplo é a possibilidade de realizar parte da formação remotamente e a utilização de ferramentas avançadas para a due diligence de terceiros e para a própria monitorização da eficiência do programa de Compliance.
VJ - Numa perspetiva intercultural, existe lugar para uma convergência do Compliance? Se sim, em que moldes e com que desafios?
JG e IA – Um dos desafios é estar num novo ambiente regulatório, em especial quando a organização tem atuação em mais do que uma ordem jurídica e está sujeita a fatores externos e/ou internos de volatilidade, ambiguidade, incerteza e complexidade. Estas experiências adquiridas noutro país podem representar uma mais valia na sua atuação. Um profissional de Compliance bem treinado e capacitado consegue replicar este conhecimento e experiência noutros locais.
VJ - Concretamente, e relativamente ao que é um lastro de governança regulatória europeia, quais as novas tendências e desafios?
JG – Um dos desafios é a qualidade regulatória; isto é, uma regulação com objetivos e políticas claramente identificados. Importa também que a legislação seja eficaz na consecução de tais objetivos, seja clara e simples, seja eficiente, com benefícios que justifiquem os custos, e, por último, que tenha uma base sólida jurídica e empírica. Por outro lado, são cruciais temas como a criação e implementação da supervisão regulatória, a participação das partes interessadas e a participação social, bem como a análise do impacto regulatório. Em relação a este último aspeto, em fevereiro deste ano, a OCDE publicou, na série Best Practice Principles for Regulatory Policy, o relatório sobre Análise de Impacto Regulatório, cuja leitura permite compreender a importância desta ferramenta para aumentar a qualidade do ambiente regulatório.
VJ - Quais os próximos eventos dinamizados pelo NCL?
JG – De 16 a 22 de abril está prevista a realização na Nova School of Law da Semana da Integridade, que contará com várias atividades, incluindo um curso sobre Compliance para a prevenção da corrupção, cujas informações já estão disponíveis na página da Faculdade e na página do NCL.