Angola Nova Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais: um sinal de confiança para o mercado internacional
Andreia Costa
Advogada em Angola e Portugal RSA- Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa
Ainda distantes do que viria a ser o processo “Luanda Leaks”, em Outubro de 2019, a Assembleia Nacional aprovava, na generalidade, a nova Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa. Uma vez discutida na especialidade, a nova lei foi aprovada pela Assembleia Nacional a 20 de Novembro e publicada como Lei n.º 5/20 a 27 de Janeiro de 2020, data também da sua entrada em vigor.
A Lei 5/20 revoga assim a Lei n.º 34/11, de 12 de Dezembro (derrogada pela Lei 19/17, sobre a Prevenção e o Combate ao Terrorismo), que versava sobre a mesma matéria, mantendo-se, por agora, em vigor legislação conexa como a Lei 3/14, de 10 de Fevereiro, sobre a Criminalização das Infrações Subjacentes ao Branqueamento de Capitais, ou o Aviso n.º 22/12, de 25 de Abril, do Banco Nacional de Angola, relativo à supervisão e fiscalização do cumprimento das obrigações de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo pelas entidades financeiras.
Numa economia fortemente dependente e assente no financiamento estrangeiro, esta lei surge como resposta a algumas exigências da comunidade internacional, em particular, do Fundo Monetário Internacional (FMI), que em Dezembro aprovou mais um pagamento de 247 milhões de dólares a Angola no âmbito do Programa de Financiamento Ampliado, num total de 3,7 mil milhões de dólares, e do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), um organismo intergovernamental que tem como propósito desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais, de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (BC/FT) através de recomendações que os países devem implementar com vista à proteção do sistema financeiro internacional.
O GAFI avalia, à escala mundial, a implementação das suas recomendações e publica regularmente uma lista dos países que constituem uma ameaça ao sistema financeiro internacional por não seguirem as medidas de combate ao BC/FT. Em 2010, o GAFI fez constar Angola na Lista Cinzenta devido às deficiências estratégicas no combate ao BC / FT, tendo concluído que o País representava um risco para o sistema financeiro internacional. Desde então o País tem envidado esforços com vista ao melhoramento do sistema de pagamento e as transações, tendo visto o seu nome riscado daquela Lista em 2016.
Embora Angola não seja membro do GAFI (em África apenas a África do Sul é membro), este Grupo conta com 37 países, entre os quais destacamos – devido às estreitas relações comerciais e financeiras com Angola – a França, Alemanha, Itália, Portugal, China, bem como os EUA e Reino Unido. Assim, o respeito pelas recomendações do GAFI é um sinal crucial à comunidade internacional da real intenção do Executivo Angolano em combater e penalizar o branqueamento de capitais.
Não esqueçamos que Angola depende enormemente das importações e, consequentemente, da moeda estrangeira, e de como os níveis de corrupção e do branqueamento de capitais limitaram o acesso do país a essas divisas, o que teve como efeito as óbvias e graves consequências económicas, financeiras e sociais que o país ainda hoje atravessa.
A Lei 5/20 veio assim juntar-se a outras medidas legislativas que têm como fim último demonstrar ao mercado internacional que o atual Executivo é defensor da liberdade económica e está apostado na transparência e no combate e punição da corrupção, garantindo assim não só aos financiadores do Estado Angolano, mas também a potenciais investidores, um ambiente seguro para investir em Angola.
Percebe-se então a relevância desta novidade legislativa que, para além de procurar ir de encontro aos padrões internacionais e à estatuição efetiva de medidas legais com vista à prevenção e repressão do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, pretende também evidenciar sinais de mudança, estabilidade e confiança no mercado angolano.
Vejamos então as principais inovações da Lei 5/20. Para além de, na generalidade, tecer uma malha bem mais apertada do que a lei a que sucede, a Lei 5/20 reforça os poderes das entidades de supervisão, em particular da Unidade de Informação Financeira, bem como os deveres de controlo e prevenção das entidades a ela sujeitas.
A definição de Pessoas Politicamente Expostas (PPE) terá sido, talvez, a questão mais polémica e que gerou maior debate entre os deputados da Assembleia Nacional. A anterior Lei de Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo fixava um conceito demasiado restritivo de PPE, definindo-as como “pessoas singulares estrangeiras que desempenham, ou desempenharam até há um ano, cargos de natureza política ou pública, bem como os membros próximos da sua família e pessoas que reconhecidamente tenham com elas estreitas relações de natureza societária ou comercial.”. A alteração deste conceito há muito que era reclamada pelo GAFI, que emitiu diversas recomendações a este respeito. O GAFI entende que a construção do conceito de PPE deve ter em consideração a realidade cultural e social de cada Estado. Considerando que, em Angola, o conceito de família é bastante alargado, a definição de PPE deve ir de encontro com essa realidade. Com a Lei 5/20, PPE passam a ser quaisquer “indivíduos nacionais ou estrangeiros que desempenham ou desempenharam funções públicas proeminentes em Angola, ou em qualquer outro País ou jurisdição ou em qualquer organização Internacional”. A esta definição mais ampla segue-se uma lista, bem mais extensa (agora com 19 alíneas contra as 10 alíneas da Lei 34/11), do que se consideram “altos cargos de natureza política ou pública” que, ao contrário da lei anterior, não é taxativa, e que elenca, designadamente, o Vice-Presidente da República e os órgãos auxiliares do Presidente da República.
Também a equiparação dos membros de família e das pessoas muito próximas das PPE foi francamente alargada; para além do cônjuge ou unido de facto, passam a ser considerados todos os parentes (sem limitação) até ao 3.º grau da linha colateral e afins até ao mesmo grau, e respetivos cônjuges ou unidos de facto, e ainda as pessoas com reconhecidas e estreitas relações de natureza pessoal, a acrescer às relações de natureza societária ou comercial já previstas na lei anterior.
Situação semelhante sucedeu com a definição de outro conceito-chave de qualquer normativo atinente a BC/FT, o de “Beneficiário Efetivo”. A Lei 34/11 limitava este conceito à propriedade ou controlo de, pelo menos, 20% do capital social, dos direitos de voto, ou do património de pessoas coletivas. Agora para ser qualificado como Beneficiário Efetivo basta que a pessoa detenha uma participação no capital de uma pessoa coletiva ou a controle (ainda que indiretamente), detenha a propriedade ou controlo do capital da sociedade ou dos direitos de voto, ou que tenha o deito de exercer influência significativa ou controlo da sociedade, independentemente do nível de participação.
Outra inovação a destacar é a criação da Obrigação de Avaliação de Risco; as entidades sujeitas devem adotar medidas apropriadas para identificar, avaliar, compreender e mitigar os riscos de branqueamento de capitais, do financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, quer ao nível do cliente individual, como da transação e da instituição. As entidades sujeitas estão assim obrigadas a implementar políticas internas de controlo, gestão e mitigação do risco e criar medidas reforçadas ou simplificadas em função do risco elevado ou diminuto, respetivamente. O legislador pretende que as entidades sujeitas adotem procedimentos e medidas ágeis, funcionais, e proporcionais ao risco identificado.
A gestão de risco na utilização de novas tecnologias é também uma preocupação da Nova Lei, estando as entidades sujeitas obrigadas a implementar as políticas e medidas necessárias para evitar a utilização abusiva das novas tecnologias em esquemas de BC / FT e Proliferação de Armas de Destruição em Massa.
Outra novidade prende-se com as transferências eletrónicas; com a entrada em vigor da Lei 5/20, as transações ocasionais executadas através de transferência eletrónica num montante igual ou superior a USD 1.000 (em moeda nacional ou estrangeira), estão sujeitas às obrigações de identificação e diligência.
Outra medida que destacamos tem que ver com a obrigação de comunicação das transações em numerário. A Lei 34/11 já previa a obrigação de comunicação à Unidade de Informação Financeira de todas as transações em numerário de valor igual ou superior, em moeda nacional, ao equivalente a USD 15 000,00. Presentemente, este valor é o limite residual, pois o legislador criou várias categorias de transações em numerário para as quais o limite é reduzido para USD 5000,00, sendo que todos os casos se reportam a qualquer transação em numerário, independentemente da moeda.
A Lei 5/20 revela também especiais cautelas com as transações transfronteiriças ao estabelecer novas obrigações de diligência reforçada, e o dever de a Administração Tributária (AGT) comunicar qualquer suspeita de ter tido lugar, estar em curso ou ter sido tentada a realização de movimentos físicos transfronteiriços de moeda estrangeira ou de instrumentos negociáveis ao portador, suscetíveis de estarem associados à prática do Crime de Branqueamento de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa ou de qualquer outro crime.
Estas são apenas uma parte das inovações da nova lei de Branqueamento de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa que optámos por destacar.
O primeiro passo foi dado. Angola tem agora uma Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa que cumpre com as principais recomendações do GAFI e do FMI, com mecanismos que, uma vez cabalmente em prática, serão capazes de combater e prevenir o branqueamento de capitais. Porém, fica por aferir a capacidade efetiva das autoridades competentes para supervisionar, prevenir e, em última instância, punir os infratores.