Recuperação económica pode só ocorrer no início de 2022
A tão esperada recuperação económica mundial pode não acontecer antes do início de 2022, de acordo com Filipe Bissaia Barreto, partner da sociedade gestora Sixty Degrees. O especialista indica que “a economia mundial deverá registar uma recuperação durante o trimestre em curso”, mas avisa que “não é certo que, após o final dos atuais programas de ajuda, as economias mantenham um percurso de recuperação em virtude do fortíssimo grau de destruição económica que se tem vindo a verificar na maioria dos países devido ao surto de Covid-19”. Em relação ao desempenho da Sixty Degrees, fundada em 2019, a sociedade gere, atualmente, uma carteira de 6,6 milhões de euros, mas tem “o objetivo de atingir 75 milhões de euros no final de 2022”.
Vida Económica – Estamos na “rentrée” pós-férias de um dos anos mais atípicos de que há memória. A economia mundial vai continuar em quebra até ao fim do ano?
Filipe Bissaia Barreto – A economia mundial deverá registar uma recuperação durante o trimestre em curso, em resultado da reabertura das economias, após confinamentos, e dos fortes estímulos fiscais e monetários implementados. No entanto, não é certo que, após o final dos atuais programas de ajuda, as economias mantenham um percurso de recuperação em virtude do fortíssimo grau de destruição económica que se tem vindo a verificar na maioria dos países devido ao surto de Covid-19. Aliás, não será de estranhar que a tão desejada recuperação económica se materialize apenas lá para o final de 2021 ou início de 2022.
VE – Recuperação em V, em U, em L. Como acredita que será a recuperação da economia mundial?
FBB – A recuperação deverá parecer promissora durante o corrente trimestre, mas temos dúvida que não fraqueje a partir do quarto trimestre de 2020.
VE – Como estão os mercados a reagir aos impactos da pandemia?
FBB – Os mercados anteciparam uma forte recessão mundial até ao final de março, mas, com os programas de estímulos entretanto introduzidos, praticamente recuperaram o terreno perdido no primeiro trimestre.
VE – Em Portugal, o cenário, de economia e de mercado, é semelhante?
FBB – O cenário parece semelhante, mas o grau de destruição económica foi dos mais fortes da União Europeia (segundo trimestre com queda homóloga de 13,9%, contra 12,1%). De registar que a recuperação bolsista tem sido bem mais fraca que as restantes (o PSI-20 ainda perde 19%).
VE – Quais as tendências das bolsas nacional e internacionais para o último trimestre do ano?
FBB – O setor de tecnologia tem sido um dos mais beneficiados no ano devido ao melhor desempenho das empresas no período de confinamento. Esta tendência deverá continuar, não só pela possibilidade de estar no horizonte uma segunda vaga de contágio do surto de Covid-19 associada ao inverno do hemisfério norte, como também pelo aumento da conquista de utilizadores, associado a uma utilização mais abrangente de serviços tecnológicos, durante o confinamento, com resultados e experiências positivas. Os setores relacionados com a restauração, hotelaria e viagens poderão continuar a apresentar performances mais fracas, pois, mesmo que exista uma vacina fiável, esta não ficará imediatamente disponível para todos, nem irá devolver, no imediato, a confiança, fator fundamental para a consolidação da atividade económica. Além destes, a banca continuará a ser um setor sob forte pressão, com as taxas de juro a permanecerem demasiado baixas, associadas ao fim das moratórias de crédito, sendo difícil estimar o volume de imparidades que o setor poderá ter que enfrentar.
VE – Quais os refúgios dos investidores no cenário atual?
FBB – Com as taxas de juro demasiado baixas, o refúgio de crises passadas – investimento em obrigações – poderá ser na realidade um foco de problemas, em especial se os bancos centrais abrandarem a sua intervenção no mercado. No cenário atual, muitos investidores já começaram a recorrer ao ouro, à prata e a outros ativos privados como forma de diversificar o seu património.
VE – A aceleração da digitalização a que toda a economia foi “obrigada” com a pandemia aumenta a necessidade de cuidados por parte dos investidores na gestão dos seus fundos?
FBB – Acreditamos que está em curso uma alteração de paradigma – que já vinha a acontecer mas que o surto acelerou – uma mudança da era industrial para a era digital. Na gestão de investimentos/fundos, isso implica que setores tradicionalmente grandes e lucrativos poderão deixar de o ser e outros setores irão nascer e/ou crescer. É preciso estar atento às tendências e tentar capitalizar uma parte dessa mudança.
VE – Em relação à Sixty Degrees, é uma sociedade gestora jovem (fundada em 2019), a pandemia foi um desafio à implantação?
FBB – Em primeiro lugar, foi um desafio no sentido em que permitiu validar a estrutura e organização instalada na Sixty Degrees, desde a sua constituição. A sociedade funcionou sem qualquer tipo de restrições, garantindo que todas as suas atividades consideradas críticas pudessem ser realizadas, em qualquer momento e de forma remota, por acesso às aplicações alojadas na “cloud”. Em termos operacionais, a equipa passou a desempenhar as suas tarefas em regime de teletrabalho, não tendo havido qualquer impacto no funcionamento normal da empresa. No entanto, a pandemia originou outros tipos de disrupções, nomeadamente as que afetaram a atividade comercial da Sixty Degrees pela restrição à realização de reuniões presenciais com clientes efetivos e potenciais. A proximidade com o cliente é fundamental para a estratégia da empresa, no sentido em que a atividade de gestão do património financeiro por terceiros é um negócio de confiança. Ainda que em circunstâncias adversas, a Sixty Degrees tem vindo a trabalhar arduamente para demonstrar o valor acrescentado da sua proposta de serviços e da sua capacidade de gestão, tendo conseguido diferenciar-se das outras sociedades gestoras em Portugal, nomeadamente na proteção da quase totalidade do capital dos nossos clientes e não sofrendo qualquer resgate de clientes.
VE – Qual o vosso cliente-tipo?
FBB – A Sixty Degrees adota um modelo de gestão onde a responsabilidade pelo incremento ou redução da exposição do cliente a cada classe e tipo de ativos (dinâmica do “asset allocation”) é da competência e da iniciativa de uma equipa de gestão profissional. O serviço que prestamos não se limita à gestão financeira de soluções de investimento, pelo que estabelecemos com os clientes relações duradoras, baseadas numa comunicação aberta, permanente e de confiança. Nesta fase de startup, tentamos ter menos clientes, mas com um montante angariado por cliente mais elevado, pelo que a nossa estratégia se centrou em clientes de património mais elevado. No futuro, pretendemos crescer e alargar o serviço Sixty Degrees a qualquer tipo de cliente que procure uma equipa profissional e experiente para gerir o seu património de forma dinâmica e percorrendo todas as classes de ativos.
VE – Qual a atual carteira sob gestão e quais os objetivos?
FBB – Gerimos atualmente uma carteira de cerca de 6,6 milhões de euros, mas temos o objetivo de atingir os 75 milhões de euros no final de 2022. À medida que o “track record” da marca Sixty Degrees se vai solidificando, o leque de potenciais clientes e de parcerias também vai aumentando, o que nos permite continuar otimistas relativamente ao sucesso da Sixty Degrees enquanto sociedade independente de gestão de ativos.