Contribuinte deve saber como é utilizada a informação contida na IES
A reestruturação do atual modelo da Informação Empresarial Simplificada é uma matéria que pode ser sempre discutida. Mas mais importante do que questionar qual a informação a disponibilizar é saber efetivamente de que modo a informação é utilizada pelo fisco, defende em entrevista à “Contabilidade & Empresas” o fiscalista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Rogério Fernandes Ferreira. Um outro problema que se coloca na elaboração da IES é que acarreta custos adicionais para as empresas, tendo estas que recorrer a serviços de terceiros, estando-se longe da desejada simplificação de processos.
Contabilidade & Empresas - Considera que a IES, tal como está elaborada, faz sentido na atual realidade contabilística?
Rogério Fernandes Ferreira - A introdução da obrigação de entrega da IES teve como propósito fomentar a transparência entre as empresas e a administração tributária, bem como reunir, num só lugar, todas as informações contabilísticas, fiscais e estatísticas relevantes da atividade económica dos sujeitos passivos. Tendo em vista o cumprimento destes objetivos, as informações que os contribuintes estão obrigados a fornecer através do preenchimento da IES são adequadas. Contudo, a extensão do atual modelo da declaração torna o seu preenchimento e entrega numa tarefa bem árdua para as empresas. Nesta medida, poderá ser discutida uma possível reestruturação do atual modelo, mas mais relevante do que questionar qual a informação a prestar será questionar de que forma essa informação é efetivamente utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Tem sido essa, aliás, a preocupação inerente ao recente debate público.
C&E - Desde sempre que se afirma que a IES é uma simplificação. Concorda com esta afirmação?
RFF - Conforme referido, a IES, na sua génese, visava a persecução de dois objetivos principais: o da transparência e o da simplificação. Em nome da simplificação, e em termos teóricos, é coerente que se procure reunir, na mesma declaração, toda a informação contabilística, fiscal e estatística das empresas. Contudo, a extensão da declaração da IES torna o seu preenchimento uma tarefa complexa e mobilizadora de muitos recursos das empresas.
C&E – Sendo assim, a IES representa custos acrescidos para as empresas?
RFF - A complexidade do preenchimento da IES comporta, sem dúvida, custos adicionais para as empresas. A preparação da entrega desta declaração implica a mobilização de muitos recursos internos e de horas de trabalho que, caso esta obrigação não existisse, as empresas alocariam ao seu próprio processo produtivo. Por outro lado, é também frequente as empresas recorrerem a serviços externos para as auxiliar no cumprimento desta obrigação, o que naturalmente se traduz em custos acrescidos.
C&E - O que tem de ser alterado nesta declaração?
RFF - Considerando as dificuldades sentidas pelas empresas no preenchimento da IES, bem como os custos acrescidos que o cumprimento desta obrigação representa para as empresas, terá sentido discutir uma revisão do atual modelo da IES, tendo em vista a sua simplificação ou redução, sem comprometer o objetivo de transparência que está na sua génese.
SAF-T para além de fins inspetivos
C&E – Na sua opinião, faz sentido associar o ficheiro SAF-T à IES?
RFF - Passando o ficheiro SAF-T a servir como método de pré-preenchimento da IES, poderia ajudar a suprir as dificuldades técnicas sentidas pelos contribuintes no cumprimento desta declaração. Contudo, desde a sua introdução, a informação contida no ficheiro SAF-T tem estado apenas disponível para a administração tributária para fins inspetivos. Alargando este escopo, é natural que se suscitem preocupações no campo da privacidade e da proteção de dados. Tenho dúvida, aliás, que o ficheiro SAF-T deva servir de base para o preenchimento da IES, pois muita informação necessária para o preenchimento da IES não vem do SAF-T e o nível de exigência do SAFT varia com o tipo de entidade destinatária, pelo que parece questionável exigir a quem hoje não tem obrigações de preenchimento e de entrega do SAF-T tão exigentes, uma nova exigência, ou estar a utilizar a IES como “desculpa” para impor o ficheiro a mais entidades e com maior rigor de prazos e de detalhe.
C&E - E o que pensa sobre a polémica que tem envolvido o SAF-T?
RFF - A polémica em torno da nova finalidade do ficheiro SAF-T compreende-se pelo facto de o acesso da administração tributária à informação nele contida estar, historicamente, limitada a procedimentos inspetivos. Pretendendo-se agora alargar esse acesso, surgem naturais preocupações, que têm sido vocalizadas pelos partidos, mormente num momento de procedimentos cada vez mais informatizado e incásicos, sem que o contribuinte tenha fácil acesso a mecanismos tempestivos de correção de automatismos vários, incluindo um provedor do contribuinte autónomo e mais eficaz.
C&E - A AT não estará a exigir cada vez mais, sem que exista um propósito concreto de transparência?
RFF - É notório que a administração tributária tem vindo a exigir cada vez mais, mas não creio que essa exigência esteja relacionada com qualquer intenção de ingerência “orwelliana” – a expressão “Big Brother fiscal”, que tem sido utilizada por alguns dos participantes neste debate público, parece exagerada – sem prejuízo de se poder questionar se a Autoridade Tributária estará a empregar os melhores métodos, aqui incluídos esses automatismos, no cumprimento deste propósito.
C&E - Tanta declaração fiscal e contabilística não será também uma forma de garantir receita através de coimas, multas e taxas?
RFF - Não creio, insisto, que os objetivos da administração tributária sejam outros que não o da transparência e o da simplificação, sem prejuízo da legitimidade destas preocupações dos contribuintes e de se poder – e dever – debater se os métodos e os procedimentos empregues são os mais adequados e que alternativas poderiam ser implementadas.
Debate sobre a simplificação fiscal
C&E - Em termos mais gerais, como é possível simplificar toda a teia de declarações a que as empresas e até contribuintes estão sujeitos?
RFF - Acima de qualquer outra, essa é a questão que realmente importa trazer para primeiro plano do debate público, para que possam começar a surgir soluções concretas, repondo definitivamente o contribuinte em primeiro lugar. Creio que um primeiro passo relevante seria procurar que nenhuma obrigação fosse duplicada, ou seja, que nenhuma informação fosse prestada pelos contribuintes em mais de uma ocasião, por respeito ao mesmo período de tributação.
C&E - Como avalia a atuação do atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (ou da administração tributária)?
RFF - Como advogado e como antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, conheço de perto a perspetiva do contribuinte, por um lado, e a da administração tributária e do Governo, por outro. Reconheço os desafios inerentes à posição que António Mendonça Mendes e a sua equipa enfrentam diariamente e, nessa medida, julgo que têm encarado esses mesmos desafios com a postura correta, dialogando não só com a oposição, mas também com os restantes ramos do executivo e com os próprios contribuintes. Por inerência, a administração tributária, na sua composição atual, é um reflexo do bom trabalho que tem sido feito pelo atual SEAF. Sem prejuízo, importa referir que as funções do gabinete do SEAF são, por natureza, sempre uma obra inacabada, obrigando assim a atual equipa a mobilizar os seus melhores esforços até ao último dia de mandato, pelo que sugiro a maior abertura para dialogar com todos os profissionais e actores ligados ao imposto, seja contabilistas, advogados, funcionários, juízes ou, apenas, contribuintes, e que somos todos nós.
C&E – Várias obrigações fiscais, em que se inclui a IES, têm sido sujeitas a constantes prorrogações de prazos. Considera que tal se justifica, quando se pretende uma maior estabilidade fiscal?
RFF – Embora reconhecendo – e até compreendendo – os motivos que justificam este tipo de prorrogações, o certo é que não adequado continuar a proceder a alterações de prazos ou de outros “acréscimos ou penalidades” legais por via de instrução administrativa ou de despachos governamentais, mesmo que beneficiem os contribuintes, uma vez que esta matéria está reservada à lei, sendo vedada a outras formas normativas, como o despacho normativo, o que pode vir a traduzir-se, aliás, em prejuízo para os contribuintes caso alguém suscite a invalidade dos mesmos.
Rogério Fernandes Ferreira - A introdução da obrigação de entrega da IES teve como propósito fomentar a transparência entre as empresas e a administração tributária, bem como reunir, num só lugar, todas as informações contabilísticas, fiscais e estatísticas relevantes da atividade económica dos sujeitos passivos. Tendo em vista o cumprimento destes objetivos, as informações que os contribuintes estão obrigados a fornecer através do preenchimento da IES são adequadas. Contudo, a extensão do atual modelo da declaração torna o seu preenchimento e entrega numa tarefa bem árdua para as empresas. Nesta medida, poderá ser discutida uma possível reestruturação do atual modelo, mas mais relevante do que questionar qual a informação a prestar será questionar de que forma essa informação é efetivamente utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). Tem sido essa, aliás, a preocupação inerente ao recente debate público.
C&E - Desde sempre que se afirma que a IES é uma simplificação. Concorda com esta afirmação?
RFF - Conforme referido, a IES, na sua génese, visava a persecução de dois objetivos principais: o da transparência e o da simplificação. Em nome da simplificação, e em termos teóricos, é coerente que se procure reunir, na mesma declaração, toda a informação contabilística, fiscal e estatística das empresas. Contudo, a extensão da declaração da IES torna o seu preenchimento uma tarefa complexa e mobilizadora de muitos recursos das empresas.
C&E – Sendo assim, a IES representa custos acrescidos para as empresas?
RFF - A complexidade do preenchimento da IES comporta, sem dúvida, custos adicionais para as empresas. A preparação da entrega desta declaração implica a mobilização de muitos recursos internos e de horas de trabalho que, caso esta obrigação não existisse, as empresas alocariam ao seu próprio processo produtivo. Por outro lado, é também frequente as empresas recorrerem a serviços externos para as auxiliar no cumprimento desta obrigação, o que naturalmente se traduz em custos acrescidos.
C&E - O que tem de ser alterado nesta declaração?
RFF - Considerando as dificuldades sentidas pelas empresas no preenchimento da IES, bem como os custos acrescidos que o cumprimento desta obrigação representa para as empresas, terá sentido discutir uma revisão do atual modelo da IES, tendo em vista a sua simplificação ou redução, sem comprometer o objetivo de transparência que está na sua génese.
SAF-T para além de fins inspetivos
C&E – Na sua opinião, faz sentido associar o ficheiro SAF-T à IES?
RFF - Passando o ficheiro SAF-T a servir como método de pré-preenchimento da IES, poderia ajudar a suprir as dificuldades técnicas sentidas pelos contribuintes no cumprimento desta declaração. Contudo, desde a sua introdução, a informação contida no ficheiro SAF-T tem estado apenas disponível para a administração tributária para fins inspetivos. Alargando este escopo, é natural que se suscitem preocupações no campo da privacidade e da proteção de dados. Tenho dúvida, aliás, que o ficheiro SAF-T deva servir de base para o preenchimento da IES, pois muita informação necessária para o preenchimento da IES não vem do SAF-T e o nível de exigência do SAFT varia com o tipo de entidade destinatária, pelo que parece questionável exigir a quem hoje não tem obrigações de preenchimento e de entrega do SAF-T tão exigentes, uma nova exigência, ou estar a utilizar a IES como “desculpa” para impor o ficheiro a mais entidades e com maior rigor de prazos e de detalhe.
C&E - E o que pensa sobre a polémica que tem envolvido o SAF-T?
RFF - A polémica em torno da nova finalidade do ficheiro SAF-T compreende-se pelo facto de o acesso da administração tributária à informação nele contida estar, historicamente, limitada a procedimentos inspetivos. Pretendendo-se agora alargar esse acesso, surgem naturais preocupações, que têm sido vocalizadas pelos partidos, mormente num momento de procedimentos cada vez mais informatizado e incásicos, sem que o contribuinte tenha fácil acesso a mecanismos tempestivos de correção de automatismos vários, incluindo um provedor do contribuinte autónomo e mais eficaz.
C&E - A AT não estará a exigir cada vez mais, sem que exista um propósito concreto de transparência?
RFF - É notório que a administração tributária tem vindo a exigir cada vez mais, mas não creio que essa exigência esteja relacionada com qualquer intenção de ingerência “orwelliana” – a expressão “Big Brother fiscal”, que tem sido utilizada por alguns dos participantes neste debate público, parece exagerada – sem prejuízo de se poder questionar se a Autoridade Tributária estará a empregar os melhores métodos, aqui incluídos esses automatismos, no cumprimento deste propósito.
C&E - Tanta declaração fiscal e contabilística não será também uma forma de garantir receita através de coimas, multas e taxas?
RFF - Não creio, insisto, que os objetivos da administração tributária sejam outros que não o da transparência e o da simplificação, sem prejuízo da legitimidade destas preocupações dos contribuintes e de se poder – e dever – debater se os métodos e os procedimentos empregues são os mais adequados e que alternativas poderiam ser implementadas.
Debate sobre a simplificação fiscal
C&E - Em termos mais gerais, como é possível simplificar toda a teia de declarações a que as empresas e até contribuintes estão sujeitos?
RFF - Acima de qualquer outra, essa é a questão que realmente importa trazer para primeiro plano do debate público, para que possam começar a surgir soluções concretas, repondo definitivamente o contribuinte em primeiro lugar. Creio que um primeiro passo relevante seria procurar que nenhuma obrigação fosse duplicada, ou seja, que nenhuma informação fosse prestada pelos contribuintes em mais de uma ocasião, por respeito ao mesmo período de tributação.
C&E - Como avalia a atuação do atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (ou da administração tributária)?
RFF - Como advogado e como antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, conheço de perto a perspetiva do contribuinte, por um lado, e a da administração tributária e do Governo, por outro. Reconheço os desafios inerentes à posição que António Mendonça Mendes e a sua equipa enfrentam diariamente e, nessa medida, julgo que têm encarado esses mesmos desafios com a postura correta, dialogando não só com a oposição, mas também com os restantes ramos do executivo e com os próprios contribuintes. Por inerência, a administração tributária, na sua composição atual, é um reflexo do bom trabalho que tem sido feito pelo atual SEAF. Sem prejuízo, importa referir que as funções do gabinete do SEAF são, por natureza, sempre uma obra inacabada, obrigando assim a atual equipa a mobilizar os seus melhores esforços até ao último dia de mandato, pelo que sugiro a maior abertura para dialogar com todos os profissionais e actores ligados ao imposto, seja contabilistas, advogados, funcionários, juízes ou, apenas, contribuintes, e que somos todos nós.
C&E – Várias obrigações fiscais, em que se inclui a IES, têm sido sujeitas a constantes prorrogações de prazos. Considera que tal se justifica, quando se pretende uma maior estabilidade fiscal?
RFF – Embora reconhecendo – e até compreendendo – os motivos que justificam este tipo de prorrogações, o certo é que não adequado continuar a proceder a alterações de prazos ou de outros “acréscimos ou penalidades” legais por via de instrução administrativa ou de despachos governamentais, mesmo que beneficiem os contribuintes, uma vez que esta matéria está reservada à lei, sendo vedada a outras formas normativas, como o despacho normativo, o que pode vir a traduzir-se, aliás, em prejuízo para os contribuintes caso alguém suscite a invalidade dos mesmos.