Portugal é atrativo para novos residentes e empresas estrangeiras
O imobiliário em Portugal consegue atrair bastante investimento estrangeiro, mas o setor enfrenta o aumento dos custos e as dificuldades que decorrrem das políticas publicas – considera Hugo Santos Ferreira. Em entrevista à “Vida Judiciária”, o Presidente Executivo da APPII – Associação Portuguesa dos Promotores Imobiliários refere que no ranking de competitividade internacional, que sai todos os anos, existem dois pontos onde Portugal é sempre identificado como o pior: a burocracia e os impostos. “Neste último, basta comparar com Espanha. Um espanhol, quando compra casa, paga 10% de imposto; um português 30% a 50% - afirma. Um espanhol não tem impostos sobre a mobilidade, como o IMT e o Imposto de Selo, que já representam quase 10%; e Portugal tem um IVA suportado na construção de 23%, não dedutível, ou seja, é um custo que os promotores têm que pagar e repercutir nos preços de venda dos imóveis.
Vida Judiciária – Como caracteriza o setor imobiliário neste momento? O que temos de novo desde a chegada da pandemia?
Hugo Santos Ferreira – Embora estejamos a viver tempos incertos devido à guerra na Ucrânia, o setor imobiliário em Portugal está a crescer. Estamos a viver um momento de crescimento económico: do setor, do número de transações e de um aumento do valor investido. Em 2019, no período pré-pandemia, atingimos um valor de investimento em imobiliário de 30 mil milhões de euros em todos os setores de mercado, cerca de 15% do PIB. Para 2022, podemos esperar um número semelhante ou mesmo superior a 2019, mas ainda temos de ser cautelosos devido à guerra na Europa, como já disse.
A pandemia trouxe algumas alterações ao mercado, com a importante valorização dos territórios do interior, mas em termos quantitativos essa procura ainda não representa um volume significativo; por outro lado, continua-se a verificar uma procura significativamente acima da oferta e por isso o nosso mercado de venda de habitação continua deficitário, com uma tendência para o aumento dos preços.
VJ – Qual a razão que os leva a continuar a apostar e a investir em Portugal?
HSF – Pela riqueza da paisagem e cultura do nosso país, pelos portugueses, pela qualidade de vida, segurança e, também pela qualidade da oferta que os estrangeiros encontram na oferta imobiliária para o segmento mais alto. Todos estes benefícios têm obviamente de refletir-se na procura de Portugal como destino privilegiado e, consequentemente, no mercado imobiliário.
A procura tanto se sente por pessoas que escolhem o país para viver como por empresas que querem sediar os seus negócios em Portugal.
VJ – Tendencialmente, o investimento estrangeiro é aplicado em que setores?
HSF – O mercado residencial continua a ser o grande foco de investimento em Portugal. O segmento comercial também tem tido grande expressão. Há um setor muito interessante, a que tenho chamado o setor da pandemia e que é a logística. A logística era um sector estático e que, nestes últimos tempos, registou níveis de dinâmica brutais. Foi um dos setores que mais cresceuram, devido ao conhecido conceito da logística de proximidade.
Com o crescimento das vendas on-line, toda a cadeia de distribuição para o consumidor final teve de se deslocar e de se aproximar desse mesmo consumidor. Nesta área, assistimos a grandes transações por parte de grandes fundos internacionais. No sector turístico temos tido um abrandamento muito significativo, e nos escritórios houve um momento de stand-by, até porque a pandemia trouxe um tempo de reflexão sobre a ocupação e configuração dos espaços. Há uma grande reflexão que se está a fazer nesse sentido e também um pouco nos chamados mercados alternativos, em que os espaços são partilhados para trabalhar ou para viver.
"Investimento em imobiliário atinge 30 mil milhões de euros"
VJ – É expectável que a habitação continue a ser o grande filão no investimento para os próximos anos?
HSF – Estou em crer que sim. Atualmente, vivemos um contexto político, económico, social e internacional marcado pela incerteza. A indústria da construção e do imobiliário em Portugal já estava a lidar com o aumento dos custos de construção no período pré-guerra, mais tarde, com a guerra da Ucrânia, houve um aumento generalizado dos custos. Estamos agora perante um possível período de recessão, que foi assinalado pelos ministros das Finanças do G7, que estavam todos muito preocupados com este risco potencial, também em consequência da inflação e das taxas de juro.
A construção continua a ser o mercado mais apetecível, pelas leis do mercado, porque é onde se regista maior oferta e, logo, mais espaço para o investimento. Aqui há que destacar o esforço que os promotores imobiliários estão a tentar fazer na construção acessível, onde está a grande procura; e a procura chama-se classe média portuguesa que não tem a sua habitação. Essa é a oportunidade. Mas há dificuldades que existem; cresce ainda o tempo que demoram os licenciamentos, o que torna muito difícil fazer habitação a preços mais baixos. Todos estão a tentar fugir aos atrasos dos licenciamentos, porque as pessoas estão saturadas e todos sabemos que cada ano de atraso de licenciamento são X euros a mais no preço do metro quadrado.
VJ – Continuamos a ser um dos países mais burocráticos da Europa. Esse problema ainda se mantém?
HSF – Mantém-se, claro. No ranking de competitividade internacional, que sai todos os anos, existem dois pontos onde Portugal é sempre identificado como o pior: a burocracia e os impostos. Neste último, basta comparar com Espanha. Um espanhol, quando compra casa, paga 10% de imposto; um português, 30% a 50%. Por duas razões: um espanhol não tem impostos sobre a mobilidade, como o IMT e o Imposto de Selo, que já representam quase 10%; e Portugal tem um IVA suportado na construção de 23%, não dedutível, ou seja, é um custo que temos de pagar, logo, temos de encaixar nas nossas contas. É uma particularidade portuguesa, porque em Espanha e na maioria dos países europeus o construtor consegue recuperar o IVA no preço – porque não tem IMT e tem uma taxa intermédia, resultando no total de 10% de imposto, enquanto nós temos os 10% mais os 23%, a que se somam taxas e taxinhas que sobem a carga fiscal. A própria OCDE fez a análise habitacional a Portugal e concluiu que os portugueses precisam dos rendimentos de 11 anos para comprar uma casa de 100 m2. E recomendou que se revissem os impostos na mobilidade habitacional – que se acabasse com o IMT e o Imposto de Selo e se revisse o IVA. Porque isto cria entraves: os jovens não conseguem sair de casa dos pais, as famílias não conseguem comprar casa... Durante a crise financeira, muitos portugueses foram obrigados a entregar as casas ao banco e este seria o tempo de regressarem ao mercado.
VJ – E qual a razão para não se agilizarem todas estas dificuldades?
HSF – Podemos começar pelo principal… Os processos de licenciamentos camarários são absurdos e feitos para não funcionar. Temos colocado este assunto na ordem do dia e sentimos que há vontade política para mudar – muitas vezes a nível das cúpulas –, sobretudo nos últimos dois anos. É o caso da Câmara Municipal de Lisboa, que é um caso muito grave, mas onde existe vontade política em mudar as coisas; sucede que, depois, essa vontade não é acompanhada pela estrutura por ali abaixo. Até podemos ter governantes muito empenhados, mas não chega. Nunca se conseguiu resolver o problema do licenciamento e isso só poderá acontecer quando a vontade política for muito grande e não apenas ao nível autárquico. Tem de haver vontade política desde o Parlamento ao Governo, à Associação Nacional dos Municípios, acabando nas autarquias.
Enquanto não houver uma task force com carácter nacional para resolver este problema, [este] continuar a existir, mesmo que se consigam afinar umas coisinhas aqui e outras ali. O problema é sistémico. Todo o sistema está feito para não funcionar. E eu falo em vontade nacional porque esta questão tem de ser vista não de uma forma corporativa, não como uma questão autárquica, mas como um desígnio nacional, porque não interessa só aos promotores, aos arquitetos ou aos autarcas. Interessa ao país e cada ano de atraso num licenciamento é menos uma casa que vai para o mercado e menos uma casa que os portugueses podem comprar. Quanto mais escassez, mais o preço sobe. Temos um estudo que comprova que, por cada ano de atraso num licenciamento, são mais 500 euros/m² no preço das casas. Uma casa que poderia chegar ao mercado a 2500 euros/m², por cada ano de atraso, o preço dispara. E, muitas vezes, os projetos ficam nas câmaras quatro ou cinco anos, o que inviabiliza completamente o investimento. É por esta razão que é um desígnio nacional.
"Qualidade da oferta determina aumento da procura"
VJ – E que propostas têm sido apresentadas pela APPII? Têm medidas concretas?
HSF – A primeira medida que sugerimos é a criação de uma task force a nível nacional, começando no Governo e acabando nas autarquias, passando pela Associação Nacional de Municípios, pelas CCDR [Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional] e todas as entidades que giram à volta das autarquias.
O segundo trabalho a fazer tem a ver com a criação de condições para que as cidades e os privados trabalhem em conjunto. Tem havido uma guerra constante e temos insistido muito nesse ponto. Só a trabalhar em conjunto é que é possível criar soluções concretas. No caso de Lisboa, isso aconteceu. Temos reuniões semanais com a autarquia para encontrar a resolução para alguns problemas. Temos um caderno de encargos que é conhecido e que é discutido com as câmaras municipais, nomeadamente Lisboa ou Porto, e no qual um dos objetivos é melhorar a comunicação dos técnicos. As câmaras não podem estar fechadas em si. Os funcionários ou os técnicos devem poder estar contactáveis em tempo de teletrabalho, mas, como durante a pandemia não tinham telemóveis ou computadores, nada acontecia. Estamos no século XXI e não sabemos onde é que as pessoas andaram nestes dois últimos anos
Tem de haver comunicação com os munícipes porque as pessoas precisam de interagir com a vida da cidade e de ter conhecimento sobre os seus projetos. É preciso criar plataformas on-line de contacto com os técnicos e a figura do gestor único do processo. O batalhão de pessoas com quem tem de se falar para obter o licenciamento de um projeto urbanístico numa câmara municipal é uma coisa infindável, rondará as centenas de pessoas. Quando estamos a lidar com qualquer empresa, enquanto clientes, temos um ponto de contacto e um gestor de cliente ou de processo.
Porque é que as câmaras também não têm apenas uma pessoa que faça a ligação? A nosso pedido, a câmara municipal de Lisboa já o fez no anterior Executivo e acabámos por dividir este tema em três fases: arquitetura, especialidades e execução. Precisamos de melhorar a comunicação das câmaras municipais com as entidades terceiras como as CCDR, DGPC – Direcção-Geral do Património Cultural, Autoridade Tributária, Águas, Esgotos, Bombeiros… O tempo que se perde para recolher o selo e a aprovação destas entidades são meses e meses. Envolvendo várias entidades neste caso, [isto] exige, eventualmente, termos uma entidade superior sob a tutela ministerial.
Outro ponto, e que já chegou a funcionar, é a instalação de uma unidade da DGPC na câmara municipal de Lisboa, onde está a maioria dos projetos. Será que não é possível isso voltar a acontecer? No fundo, tínhamos uma unidade especial da DGPC dentro da câmara. Só o facto de o papel não ter de ir dos Paços do Concelho para a Ajuda já era um ganho substancial. São estes pequenos pormenores que não resolvem o caos, mas melhoram qualquer coisa. As vistorias durante o período da pandemia não aconteceram e ficaram suspensas. Mas porque é que não foram dispensadas, com todos os mecanismos digitais que temos hoje? Podíamos ter resolvido através de termos de responsabilidade dos arquitetos ou colocando entidades terceiras a gerir essas vistorias. Para se obterem benefícios fiscais ao nível do IMT ou do IMI, são precisas vistorias finais, e, com esta situação, os promotores imobiliários ficaram prejudicados durante estes dois últimos anos.
"Grandes fundos estrangeiros impulsionam o investimento"
VJ – Existem problemas estruturais quando falamos em construção. A pobreza energética é a face mais visível desta questão. Há alguma solução?
HSF – Esse é um problema muito grande. Neste momento, estamos no caminho do combate à pobreza energética dos edifícios e a tentar melhorar o desempenho energético. Todo o nosso ecossistema legislativo, fazendo nós parte da UE, nos orienta nesse objetivo. Temos o Pacto Ecológico Europeu, que inclui muitos outros programas, embora eu não veja que esteja a ser feita alguma coisa para que esse objetivo seja alcançado. Quando me dizem que, até 2030, todos os edifícios novos têm de ser nZEB (near Zero Energy Building), estamos todos de acordo, mas 2030 é já amanhã.
Os projetos sobre os quais estamos a decidir agora vão estar construídos em 2030 e eu pergunto se alguém está a pensar nisto. Quando vejo uma Diretiva Europeia para os Edifícios ser transposta a dizer que, até 2030, passa a ser obrigatório ter soluções fotovoltaicas nos edifícios, fico preocupado. Porque se quisermos colocar uma solução fotovoltaica numa cobertura em Lisboa, a câmara não vai deixar. Vai dizer que é proibido.
VJ – A reabilitação energética é uma utopia ou pode ser alcançada?
HSF – Em Portugal, os desperdícios energéticos ocorrem porque temos maioritariamente um parque habitacional envelhecido e com mau isolamento térmico, provocando um consumo excessivo de energia. A habitação nova colocada no mercado tem caminhado para uma sustentabilidade cada vez maior dos edifícios. Mas para que em 2030 tenhamos edifícios para todos com emissões de carbono nulas, o desafio é conseguir financiar as medidas para alcançar esse objetivo, quer através de financiamento público quer através de financiamento privado.
Neste momento, quando os promotores pensam num novo edifício ou numa reabilitação, trabalham com as suas equipas de arquitetos, engenheiros e outros especialistas para verem de que forma podem ter um edifício sustentável, sem que o mesmo perca a sua atratividade em termos de mercado. Nos últimos anos temos observado que a sustentabilidade dos edifícios é muito destacada na sua promoção aquando da venda, o que é muito positivo. Hoje, este desafio é ainda maior por causa do agravamento dos preços dos materiais e o aumento da inflação.
"Em Espanha e na maioria dos países europeus o construtor consegue recuperar o IVA no preço"
VJ – O atual período de inflação que se faz sentir pode ter repercussões negativas, no que diz respeito aos projetos imobiliários de habitação acessível?
HSF – A habitação acessível era já um problema antes da pandemia, da guerra na Ucrânia e do consequente aumento dos preços. A atual conjuntura económica e social só veio agravar mais este problema que se tornou mais visível.
Os promotores imobiliários não conseguem fazer habitação para os portugueses, infelizmente tenho de fazer esta afirmação muitas vezes! Os portugueses não vão conseguir ter casa para viver, porque a construção de uma casa tem várias parcelas e para um português há um teto até onde podem pagar. Quando avançamos com um projeto, temos de ver se é economicamente viável, se o target permite o seu pagamento pelo cliente, e é fácil perceber que não logo nas primeiras parcelas: começa nos terrenos ou edifícios a reabilitar, que chegam ao mercado a preços exorbitantes (e não é só em Lisboa e Porto, mas em todo o litoral), depois temos o custo da construção e passa-se logo o limite. A excessiva carga fiscal no setor, que referi anteriormente, conjugada com a falta de 80.000 trabalhadores para a construção e agora com o aumento dos preços e das matérias-primas fazem com que a missão de dar a todos os portugueses uma habitação digna seja impossível! Há que assumir este problema e procurar soluções que envolvam toda a sociedade.
VJ – Que outros desafios prioritários identifica?
HSF – Os desafios são muitos, e estão sempre em constante mudança. Quem previa há um ano que estaríamos à beira de uma crise económica por causa de uma guerra? O que a APPII tem vindo a fazer é, por um lado, promover internacionalmente o nosso país através das oportunidades de negócio que tem para a área do investimento imobiliário. Somos os diplomatas do imobiliário para Portugal. A nível interno, promovemos o diálogo entre todas as partes, investidores, Governo, autarquias, associações e demais envolvidos, sempre na busca de soluções que promovam o nosso país e todos os que aqui habitam.
Vida Judiciária – Como caracteriza o setor imobiliário neste momento? O que temos de novo desde a chegada da pandemia?
Hugo Santos Ferreira – Embora estejamos a viver tempos incertos devido à guerra na Ucrânia, o setor imobiliário em Portugal está a crescer. Estamos a viver um momento de crescimento económico: do setor, do número de transações e de um aumento do valor investido. Em 2019, no período pré-pandemia, atingimos um valor de investimento em imobiliário de 30 mil milhões de euros em todos os setores de mercado, cerca de 15% do PIB. Para 2022, podemos esperar um número semelhante ou mesmo superior a 2019, mas ainda temos de ser cautelosos devido à guerra na Europa, como já disse.
A pandemia trouxe algumas alterações ao mercado, com a importante valorização dos territórios do interior, mas em termos quantitativos essa procura ainda não representa um volume significativo; por outro lado, continua-se a verificar uma procura significativamente acima da oferta e por isso o nosso mercado de venda de habitação continua deficitário, com uma tendência para o aumento dos preços.
VJ – Qual a razão que os leva a continuar a apostar e a investir em Portugal?
HSF – Pela riqueza da paisagem e cultura do nosso país, pelos portugueses, pela qualidade de vida, segurança e, também pela qualidade da oferta que os estrangeiros encontram na oferta imobiliária para o segmento mais alto. Todos estes benefícios têm obviamente de refletir-se na procura de Portugal como destino privilegiado e, consequentemente, no mercado imobiliário.
A procura tanto se sente por pessoas que escolhem o país para viver como por empresas que querem sediar os seus negócios em Portugal.
VJ – Tendencialmente, o investimento estrangeiro é aplicado em que setores?
HSF – O mercado residencial continua a ser o grande foco de investimento em Portugal. O segmento comercial também tem tido grande expressão. Há um setor muito interessante, a que tenho chamado o setor da pandemia e que é a logística. A logística era um sector estático e que, nestes últimos tempos, registou níveis de dinâmica brutais. Foi um dos setores que mais cresceuram, devido ao conhecido conceito da logística de proximidade.
Com o crescimento das vendas on-line, toda a cadeia de distribuição para o consumidor final teve de se deslocar e de se aproximar desse mesmo consumidor. Nesta área, assistimos a grandes transações por parte de grandes fundos internacionais. No sector turístico temos tido um abrandamento muito significativo, e nos escritórios houve um momento de stand-by, até porque a pandemia trouxe um tempo de reflexão sobre a ocupação e configuração dos espaços. Há uma grande reflexão que se está a fazer nesse sentido e também um pouco nos chamados mercados alternativos, em que os espaços são partilhados para trabalhar ou para viver.
"Investimento em imobiliário atinge 30 mil milhões de euros"
VJ – É expectável que a habitação continue a ser o grande filão no investimento para os próximos anos?
HSF – Estou em crer que sim. Atualmente, vivemos um contexto político, económico, social e internacional marcado pela incerteza. A indústria da construção e do imobiliário em Portugal já estava a lidar com o aumento dos custos de construção no período pré-guerra, mais tarde, com a guerra da Ucrânia, houve um aumento generalizado dos custos. Estamos agora perante um possível período de recessão, que foi assinalado pelos ministros das Finanças do G7, que estavam todos muito preocupados com este risco potencial, também em consequência da inflação e das taxas de juro.
A construção continua a ser o mercado mais apetecível, pelas leis do mercado, porque é onde se regista maior oferta e, logo, mais espaço para o investimento. Aqui há que destacar o esforço que os promotores imobiliários estão a tentar fazer na construção acessível, onde está a grande procura; e a procura chama-se classe média portuguesa que não tem a sua habitação. Essa é a oportunidade. Mas há dificuldades que existem; cresce ainda o tempo que demoram os licenciamentos, o que torna muito difícil fazer habitação a preços mais baixos. Todos estão a tentar fugir aos atrasos dos licenciamentos, porque as pessoas estão saturadas e todos sabemos que cada ano de atraso de licenciamento são X euros a mais no preço do metro quadrado.
VJ – Continuamos a ser um dos países mais burocráticos da Europa. Esse problema ainda se mantém?
HSF – Mantém-se, claro. No ranking de competitividade internacional, que sai todos os anos, existem dois pontos onde Portugal é sempre identificado como o pior: a burocracia e os impostos. Neste último, basta comparar com Espanha. Um espanhol, quando compra casa, paga 10% de imposto; um português, 30% a 50%. Por duas razões: um espanhol não tem impostos sobre a mobilidade, como o IMT e o Imposto de Selo, que já representam quase 10%; e Portugal tem um IVA suportado na construção de 23%, não dedutível, ou seja, é um custo que temos de pagar, logo, temos de encaixar nas nossas contas. É uma particularidade portuguesa, porque em Espanha e na maioria dos países europeus o construtor consegue recuperar o IVA no preço – porque não tem IMT e tem uma taxa intermédia, resultando no total de 10% de imposto, enquanto nós temos os 10% mais os 23%, a que se somam taxas e taxinhas que sobem a carga fiscal. A própria OCDE fez a análise habitacional a Portugal e concluiu que os portugueses precisam dos rendimentos de 11 anos para comprar uma casa de 100 m2. E recomendou que se revissem os impostos na mobilidade habitacional – que se acabasse com o IMT e o Imposto de Selo e se revisse o IVA. Porque isto cria entraves: os jovens não conseguem sair de casa dos pais, as famílias não conseguem comprar casa... Durante a crise financeira, muitos portugueses foram obrigados a entregar as casas ao banco e este seria o tempo de regressarem ao mercado.
VJ – E qual a razão para não se agilizarem todas estas dificuldades?
HSF – Podemos começar pelo principal… Os processos de licenciamentos camarários são absurdos e feitos para não funcionar. Temos colocado este assunto na ordem do dia e sentimos que há vontade política para mudar – muitas vezes a nível das cúpulas –, sobretudo nos últimos dois anos. É o caso da Câmara Municipal de Lisboa, que é um caso muito grave, mas onde existe vontade política em mudar as coisas; sucede que, depois, essa vontade não é acompanhada pela estrutura por ali abaixo. Até podemos ter governantes muito empenhados, mas não chega. Nunca se conseguiu resolver o problema do licenciamento e isso só poderá acontecer quando a vontade política for muito grande e não apenas ao nível autárquico. Tem de haver vontade política desde o Parlamento ao Governo, à Associação Nacional dos Municípios, acabando nas autarquias.
Enquanto não houver uma task force com carácter nacional para resolver este problema, [este] continuar a existir, mesmo que se consigam afinar umas coisinhas aqui e outras ali. O problema é sistémico. Todo o sistema está feito para não funcionar. E eu falo em vontade nacional porque esta questão tem de ser vista não de uma forma corporativa, não como uma questão autárquica, mas como um desígnio nacional, porque não interessa só aos promotores, aos arquitetos ou aos autarcas. Interessa ao país e cada ano de atraso num licenciamento é menos uma casa que vai para o mercado e menos uma casa que os portugueses podem comprar. Quanto mais escassez, mais o preço sobe. Temos um estudo que comprova que, por cada ano de atraso num licenciamento, são mais 500 euros/m² no preço das casas. Uma casa que poderia chegar ao mercado a 2500 euros/m², por cada ano de atraso, o preço dispara. E, muitas vezes, os projetos ficam nas câmaras quatro ou cinco anos, o que inviabiliza completamente o investimento. É por esta razão que é um desígnio nacional.
"Qualidade da oferta determina aumento da procura"
VJ – E que propostas têm sido apresentadas pela APPII? Têm medidas concretas?
HSF – A primeira medida que sugerimos é a criação de uma task force a nível nacional, começando no Governo e acabando nas autarquias, passando pela Associação Nacional de Municípios, pelas CCDR [Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional] e todas as entidades que giram à volta das autarquias.
O segundo trabalho a fazer tem a ver com a criação de condições para que as cidades e os privados trabalhem em conjunto. Tem havido uma guerra constante e temos insistido muito nesse ponto. Só a trabalhar em conjunto é que é possível criar soluções concretas. No caso de Lisboa, isso aconteceu. Temos reuniões semanais com a autarquia para encontrar a resolução para alguns problemas. Temos um caderno de encargos que é conhecido e que é discutido com as câmaras municipais, nomeadamente Lisboa ou Porto, e no qual um dos objetivos é melhorar a comunicação dos técnicos. As câmaras não podem estar fechadas em si. Os funcionários ou os técnicos devem poder estar contactáveis em tempo de teletrabalho, mas, como durante a pandemia não tinham telemóveis ou computadores, nada acontecia. Estamos no século XXI e não sabemos onde é que as pessoas andaram nestes dois últimos anos
Tem de haver comunicação com os munícipes porque as pessoas precisam de interagir com a vida da cidade e de ter conhecimento sobre os seus projetos. É preciso criar plataformas on-line de contacto com os técnicos e a figura do gestor único do processo. O batalhão de pessoas com quem tem de se falar para obter o licenciamento de um projeto urbanístico numa câmara municipal é uma coisa infindável, rondará as centenas de pessoas. Quando estamos a lidar com qualquer empresa, enquanto clientes, temos um ponto de contacto e um gestor de cliente ou de processo.
Porque é que as câmaras também não têm apenas uma pessoa que faça a ligação? A nosso pedido, a câmara municipal de Lisboa já o fez no anterior Executivo e acabámos por dividir este tema em três fases: arquitetura, especialidades e execução. Precisamos de melhorar a comunicação das câmaras municipais com as entidades terceiras como as CCDR, DGPC – Direcção-Geral do Património Cultural, Autoridade Tributária, Águas, Esgotos, Bombeiros… O tempo que se perde para recolher o selo e a aprovação destas entidades são meses e meses. Envolvendo várias entidades neste caso, [isto] exige, eventualmente, termos uma entidade superior sob a tutela ministerial.
Outro ponto, e que já chegou a funcionar, é a instalação de uma unidade da DGPC na câmara municipal de Lisboa, onde está a maioria dos projetos. Será que não é possível isso voltar a acontecer? No fundo, tínhamos uma unidade especial da DGPC dentro da câmara. Só o facto de o papel não ter de ir dos Paços do Concelho para a Ajuda já era um ganho substancial. São estes pequenos pormenores que não resolvem o caos, mas melhoram qualquer coisa. As vistorias durante o período da pandemia não aconteceram e ficaram suspensas. Mas porque é que não foram dispensadas, com todos os mecanismos digitais que temos hoje? Podíamos ter resolvido através de termos de responsabilidade dos arquitetos ou colocando entidades terceiras a gerir essas vistorias. Para se obterem benefícios fiscais ao nível do IMT ou do IMI, são precisas vistorias finais, e, com esta situação, os promotores imobiliários ficaram prejudicados durante estes dois últimos anos.
"Grandes fundos estrangeiros impulsionam o investimento"
VJ – Existem problemas estruturais quando falamos em construção. A pobreza energética é a face mais visível desta questão. Há alguma solução?
HSF – Esse é um problema muito grande. Neste momento, estamos no caminho do combate à pobreza energética dos edifícios e a tentar melhorar o desempenho energético. Todo o nosso ecossistema legislativo, fazendo nós parte da UE, nos orienta nesse objetivo. Temos o Pacto Ecológico Europeu, que inclui muitos outros programas, embora eu não veja que esteja a ser feita alguma coisa para que esse objetivo seja alcançado. Quando me dizem que, até 2030, todos os edifícios novos têm de ser nZEB (near Zero Energy Building), estamos todos de acordo, mas 2030 é já amanhã.
Os projetos sobre os quais estamos a decidir agora vão estar construídos em 2030 e eu pergunto se alguém está a pensar nisto. Quando vejo uma Diretiva Europeia para os Edifícios ser transposta a dizer que, até 2030, passa a ser obrigatório ter soluções fotovoltaicas nos edifícios, fico preocupado. Porque se quisermos colocar uma solução fotovoltaica numa cobertura em Lisboa, a câmara não vai deixar. Vai dizer que é proibido.
VJ – A reabilitação energética é uma utopia ou pode ser alcançada?
HSF – Em Portugal, os desperdícios energéticos ocorrem porque temos maioritariamente um parque habitacional envelhecido e com mau isolamento térmico, provocando um consumo excessivo de energia. A habitação nova colocada no mercado tem caminhado para uma sustentabilidade cada vez maior dos edifícios. Mas para que em 2030 tenhamos edifícios para todos com emissões de carbono nulas, o desafio é conseguir financiar as medidas para alcançar esse objetivo, quer através de financiamento público quer através de financiamento privado.
Neste momento, quando os promotores pensam num novo edifício ou numa reabilitação, trabalham com as suas equipas de arquitetos, engenheiros e outros especialistas para verem de que forma podem ter um edifício sustentável, sem que o mesmo perca a sua atratividade em termos de mercado. Nos últimos anos temos observado que a sustentabilidade dos edifícios é muito destacada na sua promoção aquando da venda, o que é muito positivo. Hoje, este desafio é ainda maior por causa do agravamento dos preços dos materiais e o aumento da inflação.
"Em Espanha e na maioria dos países europeus o construtor consegue recuperar o IVA no preço"
VJ – O atual período de inflação que se faz sentir pode ter repercussões negativas, no que diz respeito aos projetos imobiliários de habitação acessível?
HSF – A habitação acessível era já um problema antes da pandemia, da guerra na Ucrânia e do consequente aumento dos preços. A atual conjuntura económica e social só veio agravar mais este problema que se tornou mais visível.
Os promotores imobiliários não conseguem fazer habitação para os portugueses, infelizmente tenho de fazer esta afirmação muitas vezes! Os portugueses não vão conseguir ter casa para viver, porque a construção de uma casa tem várias parcelas e para um português há um teto até onde podem pagar. Quando avançamos com um projeto, temos de ver se é economicamente viável, se o target permite o seu pagamento pelo cliente, e é fácil perceber que não logo nas primeiras parcelas: começa nos terrenos ou edifícios a reabilitar, que chegam ao mercado a preços exorbitantes (e não é só em Lisboa e Porto, mas em todo o litoral), depois temos o custo da construção e passa-se logo o limite. A excessiva carga fiscal no setor, que referi anteriormente, conjugada com a falta de 80.000 trabalhadores para a construção e agora com o aumento dos preços e das matérias-primas fazem com que a missão de dar a todos os portugueses uma habitação digna seja impossível! Há que assumir este problema e procurar soluções que envolvam toda a sociedade.
VJ – Que outros desafios prioritários identifica?
HSF – Os desafios são muitos, e estão sempre em constante mudança. Quem previa há um ano que estaríamos à beira de uma crise económica por causa de uma guerra? O que a APPII tem vindo a fazer é, por um lado, promover internacionalmente o nosso país através das oportunidades de negócio que tem para a área do investimento imobiliário. Somos os diplomatas do imobiliário para Portugal. A nível interno, promovemos o diálogo entre todas as partes, investidores, Governo, autarquias, associações e demais envolvidos, sempre na busca de soluções que promovam o nosso país e todos os que aqui habitam.