Aumento das taxas de juro era inevitável;

João Loureiro considera
Aumento das taxas de juro era inevitável
A subida da inflação tornou inevitável o aumento das taxas de juro por parte do BCE. Esta é a convicção de João Loureiro, professor associado da Faculdade de Economia do Porto e docente da Porto Business School.
Segundo o mesmo responsável, o BCE “esperou demasiado tempo” até tomar aquela decisão. “O facto de reagir um pouco tarde pode fazer com que a inflação persista durante mais tempo”, acrescenta.
Admitindo existir um risco de estagflação da economia, João Loureiro entende também que a recessão poderá vir a ser um mal necessário.
Vida Económica – Em Portugal, que fatores explicam a subida da inflação?
João Loureiro -
O que explica o comportamento da inflação em Portugal são os mesmos fatores que explicam a tendência ascendente da inflação a uma escala global. São eles o agravamento dos custos de produção, nomeadamente da energia e de outras matérias-primas, como é o caso dos cereais. Também alguns estrangulamentos nalgumas cadeias de produção estão a ter impacto nalguns preços de bens de consumo. Acresce ainda o dinamismo de alguns tipos de procura que estiveram fortemente condicionados durante a fase mais crítica da pandemia, como é o caso das atividades ligadas ao turismo. Finalmente, a depreciação cambial do euro face ao dólar faz com que algumas importações dos países da Área do Euro, quando convertidas para moeda nacional, tenham visto o seu preço agravado.

VE – O BCE optou por subir as taxas de juro. Existem outros mecanismos para conter a inflação?
JL -
O Tratado da União Europeia atribui ao BCE a responsabilidade de garantir a estabilidade dos preços da Área do Euro. Para o BCE, a gestão das taxas de juro diretoras do euro é o principal instrumento de que dispõe para ancorar a taxa de inflação. Claro que tem instrumentos adicionais, como seja a quantidade de euros que coloca em circulação, através dos vários mecanismos de que dispõe para o efeito.

VE – Considera que a subida das taxas de juro é mesmo inevitável?
JL -
Sim, face à evolução da taxa de inflação, é inevitável.

VE - Nesse cenário, de aumento das taxas de juro, a recessão poderá vir a ser um mal necessário?
JL
- Sim, o inevitável aumento das taxas de juro pode ter um impacto negativo sobre a atividade económica.

VE – Que riscos se correria se o BCE adotasse uma estratégia “wait and see”?
JL -
O BCE demorou algum tempo a reagir ao aumento da taxa de inflação, o qual passou a ser notório no segundo semestre de 2021 e se acentuou bastante nos meses decorridos de 2022, em particular a partir de fevereiro, com a invasão da Ucrânia. Penso, pois, que esperou demasiado tempo a ver como evoluía o comportamento dos preços, sempre com o desejo secreto de que se tratasse de uma situação temporária/transitória. Infelizmente, não é o caso, pelo que teve mesmo que começar a atuar. O facto de reagir um pouco tarde pode fazer com a inflação persista durante mais tempo, já que é muito provável que o fenómeno que observamos venha a ser alimentado pelo aumento dos salários nominais.

Impacto nos mercados da dívida pública atrasou decisão do BCE
VE – Por que tardou o BCE a alterar a sua política monetária?
JL -
Outros bancos centrais reagiram mais cedo e com mais intensidade. Foi o caso da Reserva Federal dos Estados Unidos. No caso do BCE, ou terá havido um erro de avaliação ou receios acerca do impacto que a alteração da política monetária poderia ter sobre os mercados de dívida pública de alguns países bastantes endividados.

VE - Os juros da dívida pública estão a subir em todos os prazos. Que consequência trará esta situação para Portugal e para a economia portuguesa?
JL -
No imediato, o impacto sobre a despesa pública em juros será limitado, pois as novas emissões nos próximos meses não são de tal forma expressivas que alterem significativamente a taxa de juro média da dívida que está colocada. No entanto, se houvesse um problema de confiança relativamente à dívida pública portuguesa, tal contagiaria o sistema bancário e, por essa via, toda a economia.
Economia corre o risco
de estagflação

VE – Numa entrevista recente ao nosso jornal, Teixeira dos Santos alertou para o risco de estagflação. Acredita nesse risco?
JL -
Esse risco existe. O aumento da taxa de inflação faz com que o poder aquisitivo das famílias diminua, isto é, com o mesmo dinheiro, as famílias passam a comprar uma menor quantidade de bens e serviços. Em cima disso, o aumento das taxas de juro é também penalizador. Imagine-se uma família que paga uma mensalidade a um banco por via de um empréstimo que fez no passado para comprar casa. A mensalidade que paga irá aumentar e, por conseguinte, irá sobrar menos dinheiro para comprar bens e serviços.

VE – É impossível consultar a bola de cristal para ver o futuro, mas o que seria desejável que viesse a acontecer?
JL -
Que terminasse a guerra na Ucrânia, e que tal levasse à normalização de alguns mercados de matérias-primas. O desaparecimento da pandemia do Covid e o fim das restrições dela decorrente (nesta altura, em particular, na China) contribuiria também para a normalização de algumas cadeias de produção.
VIRGÍLIO FERREIRA (virgilioferreira@grupovidaeconomica.pt), 28/07/2022
Partilhar
Comentários 0