Entre Singapura e a Venezuela;

Entre Singapura e a Venezuela
Portugal é um dos Estados europeus que continua a beneficiar dos fundos de coesão. No entanto, os fundos europeus e o cofinanciamento nacional estão cada vez mais distantes do setor produtivo e cada vez mais próximos da despesa corrente do Estado.
Antes da pandemia, Portugal já era o país da União Europeia com menos apoios públicos à economia. A parcela do Orçamento de Estado destinada às empresas representava apenas 0,45% do PIB, quando todos os outros países envolviam mais recursos no apoio ao setor produtivo. Por exemplo, Espanha tem mais do dobro, com 1,1% e a Alemanha cerca de seis vezes mais, com 3% do PIB.
A escassez de incentivos acentuou-se nos últimos dois anos. O Portugal 2020 terminou sem que, em 2021, tenham sido criados novos programas no âmbito do Portugal 2030. O PRR foi anunciado com a ambição de disponibilizar um enorme volume de recursos de apoio ao relançamento à atividade económica, mas excluiu a quase totalidade das empresas, concentrando o financiamento no investimento público e destinando uma pequena parte do seu orçamento para alguns projetos liderados por grandes empresas.
A orientação seguida por Portugal diverge do que está a se feito pela generalidade dos países europeus, mas o Governo argumenta que a concentração de recursos no investimento público está correta porque aumenta a procura interna e beneficia de forma indireta o setor privado. Podem ser alimentadas as mesmas expetativas e os resultados obtidos com a construção dos estádios de futebol do Euro 2004 ou as obras da Parque Escolar.
No artigo que escreve nesta edição, Paulo Vaz apresenta o exemplo de Espanha na aplicação do homólogo do nosso PRR. Ao contrário do que acontece em Portugal, com um plano afunilado para o investimento público e algumas poucas exceções para grandes empresas, no país vizinho o plano é aberto e acessível à generalidade  das micro, pequenas e médias empresas, disponibilizando recursos para apoiar muitos milhares de pequenos projetos e cumprindo os objetivos de relançamento da economia e do setor privado.
Ao contrário do que acontece em Portugal, o Governo espanhol não confunde investimento publico com o investimento produtivo do setor privado. Com a perspicácia habitual, Paulo Vaz refere que o Governo de Espanha canaliza mais apoios para o setor privado, apesar da situação política de geringonça e a influência dos partidos de esquerda.
Em relação aos incentivos ao setor produtivo a questão não estará em mais ou menos esquerda, mas em mais ou menos bom senso. Em Portugal, temos a vantagem de contar uma maioria clara e estável e o inconveniente de haver um défice crónico de bom senso.
Os apoios públicos à economia não são a solução para tudo e apresentam vários inconvenientes, na medida em que podem distorcer as regras de mercado.
Com exceção do que acontece em Portugal, a generalidade dos países europeus aposta nos apoios públicos à economia. Nos Estados Unidos e na Ásia os apoios públicos são mais reduzidos do que na Europa. E há países onde os apoios públicos às empresas nem sequer existem. É o caso de Singapura e da Venezuela, por razões diferentes. Em Singapura, o dinamismo do investimento e e a liberdade económica tornam desnecessários os apoios públicos. Na Venezuela, a ideologia radical de esquerda não é compatível com a alocação de recursos públicos para as empresas privadas.
Portugal situa-se entre os países com menos apoios públicos, entre Singapura e a Venezuela. E tende a ficar mais distante de Singapura e mais próximo da Venezuela, porque aposta cada vez menos no setor produtiva e prefere privilegiar o investimento público e a intervenção do Estado.
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