Licenciamento urbanístico é o principal fator gerador de habitação em Portugal;

Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, afirma
Licenciamento urbanístico é o principal fator gerador de habitação em Portugal
“No que toca ao aumento da oferta pública seria necessário, em primeiro lugar, que o Governo disponibilizasse informação atualizada e completa sobre o seu património imobiliário”, afirma Ricardo Rio.
As medidas do programa Mais Habitação não resolvem os problemas do país, “sendo bastante omisso em matérias como o licenciamento urbanístico, principal fator gerador de habitação em Portugal” – afirma Ricardo Rio, presidente da Câmara Municipal de Braga.
O município acabou de aprovar um Regulamento de Atribuição de Benefícios Fiscais no Âmbito de Impostos Municipais, onde constam várias medidas como a isenção parcial de IMI, relativamente aos prédios urbanos arrendados para habitação, a isenção total de IMI e IMT nos prédios urbanos objeto de reabilitação e uma isenção parcial de IMI relativamente aos prédios urbanos com eficiência energética.

Vida Económica – Que avaliação faz do programa Mais Habitação?
Ricardo Ricardo -
O município de Braga já apresentou o seu contributo no âmbito da consulta pública que está em curso, com a publicação de um documento com propostas alternativas que foi aprovado pelo Conselho Local de Habitação com apenas uma abstenção.
Não obstante a existência de medidas positivas no âmbito do apoio direto às famílias e de alguns incentivos fiscais ao arrendamento acessível, este pacote de medidas não resolverá os problemas com que o país está confrontado na área da habitação, sendo bastante omisso em matérias como o licenciamento urbanístico, principal fator gerador de habitação em Portugal.
No que toca ao aumento da oferta pública seria necessário, em primeiro lugar, que o Governo disponibilizasse informação atualizada e completa sobre o seu património imobiliário.
O único esforço digno de registo nesse âmbito é o Despacho n.º 3260/2022, de 17 de março, que lista cerca de 600 imóveis do património imobiliário público sem utilização. No entanto, trata-se de um levantamento bastante incompleto. A título de exemplo, na listagem apresentada apenas consta um imóvel localizado no Município de Braga.
Antes de propor o arrendamento obrigatório de casas devolutas – através de um processo altamente burocrático e moroso, onde o senhorio começa por ser notificado para celebrar um contrato com o respetivo município, posteriormente tem um prazo formal de 90 dias para dar uso ao imóvel e só depois é que o Estado avança para o arrendamento obrigatório (isto se não houver litigância pelo meio) – o Governo tem a responsabilidade de mobilizar o património público para reforçar a oferta de habitação.
O Estado não deve assumir como norma a prática de cobrar rendas aos inquilinos para as pagar aos senhorios, identificar imóveis devolutos, fazer obras de reabilitação e colocar as casas no mercado de arrendamento. Em primeiro lugar porque não é a sua função, em segundo lugar porque lhe falta essa capacidade.
Por outro lado, os limites estabelecidos para as rendas em novos contratos configuram uma medida profundamente injusta para todos os senhorios que, até ao momento, disponibilizaram os seus imóveis para o mercado de arrendamento com preços acessíveis e ajustados aos rendimentos dos seus inquilinos.
Trata-se de uma medida injusta porque o teto máximo será definido de acordo com a inflação dos anos anteriores, não tendo em conta os valores praticados até então (ou seja, aplica-se indiscriminadamente a quem tenha arrendado um imóvel com as mesmas características por 200 € ou por 800 €). Injusta porque não tem em conta eventuais intervenções de fundo para melhoria das condições de habitabilidade do imóvel em causa (apenas permite uma atualização de 15% nestes casos) ou, no limite, o nível de rendimentos do inquilino em causa.

VE – Haverá outras formas, que não essas, de resolver o problema da habitação? O PRR é uma delas?
RR -
Essa é outra das críticas que fazemos.O pacote do Governo é totalmente omisso relativo às medidas em curso, seja no âmbito do Programa Nacional de Habitação, seja no âmbito dos investimentos previstos no Plano de Recuperação e Resiliência, e que também carecem de intervenção imediata.
À data de hoje, a taxa de execução do 1º Direito é ainda muito baixa e a meta de garantir habitação condigna a 26 mil famílias até ao final do 1.º semestre de 2026 está comprometida.
Ao mesmo tempo que o Governo anuncia um conjunto avulso de medidas contraditórias, a Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano de Recuperação e Resiliência identificou, no passado dia 22 de fevereiro, 15 investimentos em estado preocupante ou crítico, entre os quais se destacam os investimentos em habitação, sem que haja qualquer proposta de alteração e melhoria dos procedimentos em vigor.
A complexidade do Programa 1º Direito, com diversas duplicações de requisitos e funções, a excessiva demora na análise das candidaturas por parte do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, o carácter experimentalista do Programa, com alterações sistemáticas e dúvidas que continuam por esclarecer, e a desadequação dos valores de referência face à realidade do mercado, são problemas que continuam por resolver e comprometem a execução das Estratégias Locais de Habitação por parte dos municípios.
A falta de propostas neste âmbito é paradigmática de falta de diálogo do Governo com as autarquias em matéria de habitação, dado que se trata de uma matéria de amplo consenso entre os agentes do poder local.

Prédios urbanos em Braga com isenção de IMI e IMT

VE – De que forma se poderá dinamizar mais o mercado de arrendamento?
RR -
Nós apresentamos algumas medidas nesse sentido no nosso contributo para a consulta pública. Defendemos a alteração à redução de taxa de IRS para contratos de arrendamento em função dos valores praticados, e não pela duração dos contratos, apostando numa progressividade do imposto em função do rendimento que os senhorios arrecadam com o arrendamento do imóvel, promovendo uma verdadeira justiça fiscal.
Em Braga, os prédios urbanos arrendados para habitação com valores compatíveis com a renda padrão do Regulamento de Apoio à Habitação terão uma isenção parcial de 20% de IMI. Os imóveis que integrarem o Programa Municipal de Arrendamento Acessível terão uma isenção total. Ainda no que diz respeito à fiscalidade, sugerimos a eliminação do imposto de selo no arrendamento habitacional e a isenção de IMT sobre as transmissões de imóveis para prédios urbanos destinados ao arrendamento acessível, sendo obrigatório que o contrato de arrendamento tenha um prazo igual ou superior a cinco anos.
Também é necessário incentivar a construção e reabilitação, diminuindo o IVA nas obras e serviços para fins habitacionais e aumentando a taxa agravada de IMI para prédios devolutos e para prédios em ruínas.
No que diz respeito aos apoios diretos às famílias, defendemos também a alteração do conceito de renda máxima admitida pelo conceito de renda de referência na medida de apoio extraordinário ao pagamento da renda, garantindo a elegibilidade dos arrendatários que não encontrem um valor compatível com os limites de renda previstos no Porta 65. Neste modelo, adotado no Regime de Apoio Direto ao Arrendamento em Braga, o preço definido para cada tipologia é o preço através do qual é determinado o valor do apoio no âmbito deste programa, independentemente do valor que seja pago pelo arrendatário ao proprietário.

VE – Em termos futuros, Braga continuará a ser um local onde vale a pena investir em habitação? Quais os atrativos para que tal aconteça?
RR -
Sem dúvida. O município acabou de aprovar um Regulamento de Atribuição de Benefícios Fiscais no Âmbito de Impostos Municipais, onde constam várias medidas como a já referida isenção parcial de IMI, relativamente aos prédios urbanos arrendados para habitação, a isenção total de IMI e IMT nos prédios urbanos objeto de reabilitação e uma isenção parcial de IMI relativamente aos prédios urbanos com eficiência energética.
O Município de Braga voltou a ser, em 2021, em todo o país, o que mais licenças concedeu para construção e recuperação de edifícios, posição que ocupa pela terceira vez nos últimos cinco anos. Os dados mais recentes apontam para um total de 733 edifícios licenciados, 596 dos quais para habitação familiar.
Paralelamente, está em curso um processo de revisão do Plano Diretor Municipa lcom o objetivo de dar respostas ao novo dinamismodo concelho, que exige, por exemplo, mais áreas de acolhimento empresarial e mais oferta de terrenos para habitação disseminados por todo o território. Tudo isto contribuirá para que Braga continue a crescer de forma sustentada.

VE – Como está Braga em termos de oferta de habitação?
RR -
Braga tem um parque habitacional público com 725 fogos, sendo que um número muito significativo dos mesmos (286) se encontra disperso pela cidade, evitando fenómenos de guetização e exclusão social.
Do ponto de vista do mercado habitacional de Braga, o crescimento expressivo da população, quer através de nacionais, quer através de migrantes com maior poder de compra, traduziu-se numa significativa pressão no mercado imobiliário, uma vez que, ao exaurir o alargado stock de imóveis devolutos existentes no mercado há cerca de uma década, contribuiu para aumentos significativos dos preços dos imóveis e das rendas nos anos mais recentes.
Deparamo-nos assim com uma situação em que, pese embora o concelho de Braga persista nos primeiros lugares daqueles em que menos custa ter acesso à habitação – com valores claramente abaixo de todos os concelhos que têm dimensão equivalente com a sua -, esta subida recente do custo da habitação, colocou desafios a novas camadas da população, e não apenas às de menores recursos económicos.

VE – Como se contorna isso?
RR -
Braga tem uma política integrada de habitação, com vários instrumentos de apoio para diferentes segmentos da população, que contribuem para que a cidade continue a crescer em termos de população.
A Câmara Municipal de Braga desenvolve também um conjunto de iniciativas no sentido de estimular a oferta privada, desde a agilização dos processos de licenciamento até à criação de incentivos fiscais para o arrendamento e a reabilitação urbana, que fazem com que o preço da habitação seja significativamente mais baixo do que aquele que se verifica em outras cidades do país com a mesma dimensão.
As áreas de reabilitação urbana foram recentemente aumentadas de forma considerável (a do centro da cidade passou de 150 para 245 hectares e a da zona de expansão da cidade passou de 1400 hectares para 2500) de modo a incentivar ainda mais esta dinâmica.

VE – Que comentário faz ao livro “Políticas Locais de Habitação”?
RR -
Trata-se de um contributo essencial para o debate ao reunir um conjunto de visões por parte de vários agentes com responsabilidades nesta matéria, sem esquecer o contributo dos autores, que contam com uma vasta experiência no trabalho desenvolvido junto dos municípios.
Dos vários contributos, diria que há duas conclusões que saltam à vista: a primeira é que só será possível garantir mais habitação através de uma maior oferta e essa oferta terá que passar necessariamente pelo dinamismo do setor privado, seja na reabilitação, seja na construção nova.
Por outro lado, é inegável que é necessária uma resposta pública para acudir às pessoas e às famílias com dificuldades que tendem a ser permanentes ou transitórias. No entanto, essa resposta não será eficaz se for baseada em medidas de natureza coerciva ou executadas por parte do Estado Central que é demasiado burocrático e ineficiente. Os municípios são a chave para a resposta pública uma vez que são os únicos que poderão assegurar o “fator confiança”, constituindo-se como intermediários entre proprietários e inquilinos. Mas para isso precisam dos recursos adequados, seja do ponto de vista financeiro, seja do ponto de vista processual.
17/03/2023
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