PRR está centrado na construção e burocracia;

João César das Neves afirma
PRR está centrado na construção e burocracia
Recapitalizar a economia, libertar os mercados, apostar no empreendedorismo e no mrisco inovador "muito pouco realmente interessa às elites nacionais", considera João César das Neves.
“Este PRR, com, o foi apresentado, é um programa centrado na construção e burocracia, não no investimento e inovação”, afirma João César das Neves.
O economista considera “escandaloso” que “a componente 5 do PRR, Capitalização e Inovação Empresarial, tenha apenas 17,5% do total, e metade disso seja para financiar um novo banco público (como se isso fosse uma boa ideia)”.
Para reduzir o défice do Estado e colocar as contas públicas em ordem, João Cesar das Neves entende que “seria precisa uma verdadeira reforma da despesa pública e do aparelho do Estado”. Coisa que “ninguém, nem a troika, o conseguiu há mais de 30 anos”.
Vida Económica - Porque considera o Next Generation EU uma “resposta tardia e desajustada da UE”?
João Cesar das Neves -
O choque económico de uma pandemia é, formalmente, um choque depressivo, que arrisca a colocar a economia numa espiral de queda. As pessoas, fechadas em casa, não compram, as empresas não vendem, despedem trabalhadores, que deixam de poder comprar, etc. Perante isto, a terapêutica é clara: sustentar rendimentos das populações para quebrar a espiral depressiva. Foi isso que foi feito na Europa em 2020 e 2021, mas quase só através dos governos nacionais. A União Europeia apresentou o novo fundo bilionário, que domina o espaço mediático, mas nada tem a ver com o choque económico da pandemia, até porque só começou a ser usado depois de acabado o referido choque.

VE - Que se impõe fazer para que a produtividade, a competitividade  e a inovação da economia portuguesa sejam uma tendência sólida?
JCN -
A primeira coisa é colocar isso como verdadeira questão política, que há muito tempo deixou de ser. Aquilo que domina o espaço mediático são os grupos de pressão da classe média, que pouco ou nada têm a ver com produtividade, competitividade e inovação. Em seguida, seria preciso recapitalizar a economia, liberalizar os mercados, apostar no empreendorismo e no risco inovador. Mas isto muito pouco realmente interessa às elites nacionais.

VE - Um estudo  recentemente divulgado pela AEP propõe uma reorientação dos fundos europeus paras as empresas e para a competitividade sustentável. Concorda com esta proposta? Porquê?
JCN -
Claro. É quase escandaloso que, por exemplo, a componente 5 do PRR, Capitalização e Inovação Empresarial, tenha apenas 17,5% do total, e metade disso seja para financiar um novo banco público (como se isso fosse uma boa ideia). Este PRR, como foi apresentado, é um programa centrado na construção e burocracia, não no investimento e inovação.

Crescimento vai continuar na mediocridade
VE - Outra das propostas daquela associação é redução dos custos de contexto e da carga fiscal e contributiva. Acha isso possível?
JCN -
Possível, é; provável, não. Isso exigiria uma mudança de atitude pública, que não se vislumbra. Por isso é que o nosso crescimento deverá continuar na mediocridade dos últimos anos, que parece satisfazer as elites.

VE - Relativamente ao PRR, a estratégia delineada está errada?
JCN -
Eu penso que a estratégia delineada pouco ou nada terá a ver com a realidade daquilo em que realmente se gastarão os fundos. Só assim se explica que o Governo tenha encomendado a estratégia a um único especialista, e tenha feito gala de ser o mais rápido a entregar o programa em Bruxelas. O documento entregue é mero “pro-forma”; quando chegar o dinheiro, logo se vê em que se gastará.

“Resiliência” é o oposto de “desenvolvimento”
VE - A Resiliência é a melhor resposta no atual contexto económico? O que pode gerar de facto mais dinamismo à economia?
JCN -
É importante notar que “resiliência” é propriamente o oposto de “desenvolvimento”. Trata-se de manter o que se tem, não de arriscar no futuro. No meio de um choque brutal, como o que vivemos em 2020 e 2021, faz sentido falar em resiliência; em 2022 e nos próximos anos, quando chegará o dinheiro do PRR, precisamos, não de resiliência, mas desenvolvimento. Para dinamizar a economia teríamos de atender ao investimento produtivo, ao empreendorismo, à inovação, e não aos grupos de pressão que determinam a política nacional. Por isso não há dinamismo forte há muitos anos, nem se vê que venha a haver.

VE - Temos tido uma sucessão de austeridade nos vários OE. No de 2022 volta a falar-se de austeridade decorrente da inflação. O que pensa disto?
JCN -
Claro que um choque de oferta e de aumento de custos, como o que estamos a viver por causa da guerra, exige uma redução da procura, para evitar propagar o desequilíbrio no futuro. Além disso, Portugal precisa de austeridade a longo prazo, porque tem uma dívida (pública e privada) gigantesca e as empresas descapitalizadas. Infelizmente, a palavra tornou-se um esterótipo, um insulto para esgrimir nos debates políticos. O que mais me surpreende é que, vivendo com governo de Esquerda há quase sete anos, e com dois choques sucessivos (pandemia e guerra) que são fortemente regressivos, recaindo sobretudo sobre os mais pobres, as medidas redistributivos de apoio sejam tão fracas.

Reforma da despesa pública e do aparelho do Estado
VE - O que pode de facto reduzir o défice do Estado e colocar as contas públicas em ordem?
JCN -
Para fazer isso seria precisa uma verdadeira reforma da despesa pública e do aparelho do Estado. Ora isso ninguém, nem a troika, o conseguiu há mais de 30 anos. Não estou a prever voltar a ver uma coisa dessas na minha vida.

VE - Que mensagem gostaria de transmitir?
JCN
- Portugal está muito pior do que diz o Governo, mas muito melhor do que diz a Oposição. Temos um país politicamente pacificado, ao contrário de todos os nossos parceiros. Isso conseguiu-se alimentando poderosos grupos de pressão e promovendo o consumo, à custa da descapitalização da economia e um crescimento medíocre. Podia ser muito pior, mas também podia ser muito melhor.
VIRGÍLIO FERREIRA (virgilio@vidaeconomica.pt), 12/05/2022
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