Futebol: os contratos (não) são para cumprir?;

Casos da Vida Judiciária
Futebol: os contratos (não) são para cumprir?
O afastamento de treinadores de futebol quando os resultados ambicionados por adeptos e almejados pelos dirigentes desportivos ficam abaixo das expetativas tornou-se um hábito seguido por uma maioria de sociedades desportivas e federações desportivas.
Um número significativo, se não mesmo a maioria dos contratos de trabalho desportivo de treinador profissional não cessam pela verificação do seu termo, antes sendo objeto de revogação ou resolução antes do seu prazo.
Surpreendentemente, tais revogações ou resoluções, consoante exista ou não mútuo acordo, respetivamente, concretizam-se apesar do exato e pontual cumprimento das obrigações por parte do respetivo treinador.
O treinador de futebol é, ao contrário da maioria dos demais cidadãos, um trabalhador que não depende apenas do cumprimento exato e pontual das suas obrigações contratuais para a manutenção da sua relação laboral, antes está dependente de fatores aos quais é alheio, como sejam, o sucesso ou insucesso dos atletas selecionados e contratados pela estrutura dirigente do clube, a maior ou menor capacidade das sociedades desportivas concorrentes reunirem atletas com maior capacidade, a própria sorte do jogo, etc.
Aliás, é frequente o caso de treinadores de futebol serem “convidados a sair” mesmo após serem alcançados os objetivos almejados quanto a resultados desportivos, simplesmente por um grupo de adeptos ou dirigentes não simpatizar com a forma como aquela equipa joga.
Em Portugal vigora o princípio pacta sunt servanda, segundo o qual as partes que celebram um contrato devem respeitar exata e pontualmente as prestações a que se obrigaram.
É certo que as partes são livres de se lamentar relativamente aos contratos que celebram mas tal não afasta o cumprimento exato e pontual do contrato.
No futebol, dá-se o caso de treinador e sociedade desportiva partes contratantes em contratos com prazos de anos assumirem expressamente no exato momento da celebração do contrato que no futebol nada é certo e nenhuma das Partes poder assegurar que aquele mesmo contrato atinja o seu termo.
O contrato é um acordo de vontades, e conhecendo-se a vontade real do declarante, é de acordo com esta que vale a declaração emitida mesmo nos negócios formais, como sucede no contrato de trabalho desportivo de treinador profissional (artigo 236.º/2 e 238.º/2 do C. Civil; art.º 6.º do contrato coletivo de trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol - CCT).
Perante as frequentes declarações de treinadores e dirigentes desportivos sobre a pretensa efemeridade dos contratos que celebram, parece evidente que as partes contratantes em contrato de trabalho desportivo de treinador de futebol têm pouca fé que o mesmo venha a caducar pela verificação do seu termo desde o momento inicial da celebração do contrato.
Não obstante o artigo 8º do CCT estatuir que o contrato de trabalho desportivo com treinador profissional de futebol ter de prever obrigatoriamente uma duração determinada, nada obsta a que as partes possam estipular condições resolutivas relativas a desempenho desportivo e/ou à popularidade junto da massa adepta.
As partes são livres de celebrar os contratos que lhes aprouver bem como de condicionar os mesmos, e contrariamente ao que sucede no regime laboral comum, a lei não impede a inserção de condição resolutiva em contratos de trabalho desportivo, considerando a especificidade que a própria atividade desportiva apresenta.
No entanto, são raros os casos de contrato de trabalho desportivo de treinador profissional que estipulam tais condições resolutivas ou dos quais resulte as condições resolutivas que efetivamente correspondem à vontade real das partes.
A nosso ver, mal.
Aparentemente, parece que os agentes desportivos envolvidos, aqui se incluindo de igual modo treinadores e dirigentes desportivos, preferem os despedimentos sem justa causa ou a celebração de acordos de revogação de contrato por pressão dos adeptos e dos maus resultados, do que a estipulação de cláusulas adequadas a uma evidência que todos conhecem e aceitam: um treinador com maus resultados desportivos ou simplesmente pouco popular junto da massa adepta não subsiste no cargo.
Verifica-se incumprimento de um contrato sempre que uma das partes contratantes não execute pontual e exatamente as obrigações contratuais, ou seja, as obrigações inscritas no contrato e relativas às prestações contratuais a cuja realização o contratante se vinculou.
A verificação de uma condição resolutiva não consubstancia incumprimento contratual, servindo o interesse das partes de se precaverem quanto à evolução futura dos acontecimentos que as partes não controlam e dos quais depende a perfeita concretização dos seus interesses negociais.
Infelizmente, ainda se prefere aceitar que as partes celebram contratos em que nenhuma acredita que caducará no seu termo do que estipular no respetivo clausulado as condições resolutivas que correspondem aos eventos que conduzem à cessação do contrato de trabalho desportivo.
A falta de estipulação de condição resolutiva nos contratos de trabalho desportivo de treinador profissional leva frequentemente a longas e complexas negociações para que as partes logrem acordo quanto às condições para a revogação do contrato quando é certo que, as mais das vezes, ambas as partes estão cientes à partida de que a cessação do contrato antes do respetivo termo (por revogação ou resolução do mesmo) será inevitável se não forem atingidos determinados objetivos.
É tempo de mudar esta mentalidade no seio do futebol: não sendo possível mudar as mentalidades para que o desempenho dos treinadores seja avaliado pelo prazo global da duração dos contratos celebrados, ainda que os resultados do período inicial do contrato não correspondam às expectativas, pelo menos, estipulem as partes quais os factos que poderão conduzir à resolução do contrato.
Rui Resende - Sócio – RSA LP, 17/03/2023
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