Arrendamento Urbano e Alojamento Local na ordem do dia
Renata Silva Alves
Associada Sénior da Abreu Advogados
Muito se tem debatido na sociedade portuguesa sobre as políticas do arrendamento urbano, os caminhos do alojamento local e o excesso de turistas.
Somos todos os dias invadidos, em todos os meios de comunicação social, com notícias sobre “contratos vitalícios”, “o que muda em 2019 no arrendamento”, “assédio no arrendamento”, “guia das novas regras do alojamento local”, “profundas reformas no arrendamento” ou notícias sobre a “lei de bases da habitação”, “alojamento local já supera a hotelaria” ou “Lisboa rendida ao alojamento local”.
O ano 2018 foi o que mais ocupou a agenda parlamentar com estes temas. O Governo e todos os grupos parlamentares apresentaram propostas de alteração à lei do alojamento local e ao regime do arrendamento urbano. Permanece na agenda a discussão com vista à criação de uma Lei de Bases da Habitação.
Tais discussões têm produzido diversas modificações a estes regimes. Em agosto de 2018 é publicada a Lei n.º 62/2018, que introduz alterações ao regime do alojamento local. Já este ano, foram publicadas mais duas leis – a Lei n.º 12/2019 e a Lei n.º 13/2019 – que nos trouxeram significativas alterações e limitações ao regime do arredamento urbano habitacional e não habitacional. Aprofundaremos estas duas leis num outro artigo.
Em grande medida, a problemática que se vive de forma intensa em Portugal, com principal enfoque nas grandes cidades, nomeadamente em Lisboa e no Porto, entre os proprietários de imóveis, os senhorios e arrendatários e o alojador e alojado nasce do verdadeiro conflito de interesses entre as diversas partes envolvidas.
Este conflito é exponenciado fortemente quando a atividade de alojamento local é exercida em frações autónomas destinadas a habitação inseridas em prédios constituídos sob o regime da propriedade horizontal. Uns defendem o seu direito de propriedade e de desenvolver uma atividade que lhes permita retirar um proveito económico quase instantâneo e os demais condóminos defendem o seu direito ao sossego, à tranquilidade e à segurança, não querendo ter pessoas estranhas a entrar e a sair constantemente do prédio onde habitam.
Já todos nos deparámos com a dicotomia entre os benefícios da invasão de turistas, com o consequente aumento da oferta de estabelecimentos de alojamento local, oportunidades de trabalho, aumento de receitas e muito acentuadamente o aumento da recuperação do parque imobiliário degradado e os incómodos constantes de entradas e saídas a altas horas da noite, aumento exponencial de lixo, o barulho constante das rodas das malas a bater na calçada portuguesa, as gargalhadas nas escadas e as festas.
Quem vive lado a lado com habitações transformadas em hotéis temporários para turistas tende a defender que os benefícios não são assim tão significativos que justifiquem os incómodos diários dos habitantes provocados pelos turistas.
Em face destas posições conflituantes, questionamo-nos se os direitos dos proprietários ou dos arrendatários de longo prazo não deveriam ser protegidos face à invasão turística ou se na realidade a reabilitação de bairros quase abandonados não nos faz querer implementar medidas que permitam balancear posições.
Numa tentativa amenizadora, a Lei n.º 62/2018 veio impor as tão faladas “zonas de contenção”, permitindo aos municípios limitar o número de licenças de alojamento local em determinados bairros das cidades. Por exemplo, em Lisboa, no Bairro Alto, Madragoa, Alfama, Castelo e Mouraria já foram suspensas as licenças de alojamento local. Pese embora a suspensão das licenças nestes bairros lisboetas, tal não teve um impacto significativo no dia a dia dos moradores, pois a corrida desenfreada às licenças de alojamento local antes da entrada em vigor deste diploma legal fez com que o limite estivesse já largamente ultrapassado nesse momento.
Esta Lei visou responder às maiores preocupações dos moradores dos prédios onde funcionam alojamentos locais em diversas frações autónomas. Veio permitir que o condomínio possa impor aos proprietários destas frações uma contribuição adicional de até 30% do valor da quota anual respetiva, obrigando a que as regras do condomínio sejam disponibilizadas aos turistas em várias línguas. Veio impor ao proprietário a contratação de um seguro que garanta os danos patrimoniais diretamente causados por incêndio na ou com origem no alojamento local.
Por outro, veio exigir a autorização dos condóminos para a instalação de hostels em edifícios constituídos em propriedade horizontal.
Finalmente, e talvez a medida mais relevante, esta Lei veio possibilitar que a assembleia de condomínio possa deliberar, por mais de metade da permilagem do edifício, opor-se ao exercício da atividade de alojamento local, quando exista a prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio ou que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, participando tal facto ao município. Por sua vez, o município poderá determinar o cancelamento do registo do alojamento local por um período que pode ir até um ano.
Aparentemente, estas novas medidas parecem não ter apaziguado os ânimos entre os interesses conflituantes, pois, enquanto as associações que representam o setor defendem que estas alterações representam mais limitações, um “retrocesso”, promovendo “conflitos entre vizinhos”, os condóminos defendem que as medidas não são suficientes para acautelar a tranquilidade e segurança dos prédios onde vivem e que o legislador poderia ter ido muito além.
É certo que a crise imobiliária que vivemos fez parar muitos projetos que estavam para nascer em diversos municípios do país, mas também é evidente a retoma neste setor, com projetos a proliferar nos recantos mais remotos no nosso país. E o setor do turismo, em particular, a atividade do alojamento local, tem sido o “motor de aquecimento” do mercado imobiliário em Portugal. Em muitos municípios há um compromisso sério de criar programas de incentivos para unidades hoteleiras e para unidades de alojamento local, fugindo à tendência que se tem verificado nos grandes centros urbanos, muito mais sobrecarregados com o fenómeno do alojamento local.
Sem prejuízo do exposto, e das questões conflituantes que, entendemos, continuarão a existir, é certo que não podemos ignorar os efeitos positivos do alojamento local: só na área metropolitana de Lisboa, a atividade do alojamento local é responsável por mais de dez mil empregos. E os municípios também beneficiam diretamente, e muito, do crescimento desta atividade: o município de Lisboa já lucrou mais de 5 milhões de euros em taxas turísticas só com a plataforma Aibnb.
Segundo a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) “o setor não é inimigo de ninguém, é amigo da economia”. Na área metropolitana de Lisboa, o setor representa 1% do PIB nacional, com o aproveitamento de “mais de 60% dos imóveis que estavam efetivamente desocupados”.
Parece-nos que devemos ter em mente que o mais importante será sempre manter o equilíbrio, nem sempre fácil, entre proprietários, senhorios e arrendatários, alojador e alojados, e bem assim manter uma certa estabilidade legislativa que não afaste de vez investidores estrangeiros, avessos a incertezas constantes.
Somos todos os dias invadidos, em todos os meios de comunicação social, com notícias sobre “contratos vitalícios”, “o que muda em 2019 no arrendamento”, “assédio no arrendamento”, “guia das novas regras do alojamento local”, “profundas reformas no arrendamento” ou notícias sobre a “lei de bases da habitação”, “alojamento local já supera a hotelaria” ou “Lisboa rendida ao alojamento local”.
O ano 2018 foi o que mais ocupou a agenda parlamentar com estes temas. O Governo e todos os grupos parlamentares apresentaram propostas de alteração à lei do alojamento local e ao regime do arrendamento urbano. Permanece na agenda a discussão com vista à criação de uma Lei de Bases da Habitação.
Tais discussões têm produzido diversas modificações a estes regimes. Em agosto de 2018 é publicada a Lei n.º 62/2018, que introduz alterações ao regime do alojamento local. Já este ano, foram publicadas mais duas leis – a Lei n.º 12/2019 e a Lei n.º 13/2019 – que nos trouxeram significativas alterações e limitações ao regime do arredamento urbano habitacional e não habitacional. Aprofundaremos estas duas leis num outro artigo.
Em grande medida, a problemática que se vive de forma intensa em Portugal, com principal enfoque nas grandes cidades, nomeadamente em Lisboa e no Porto, entre os proprietários de imóveis, os senhorios e arrendatários e o alojador e alojado nasce do verdadeiro conflito de interesses entre as diversas partes envolvidas.
Este conflito é exponenciado fortemente quando a atividade de alojamento local é exercida em frações autónomas destinadas a habitação inseridas em prédios constituídos sob o regime da propriedade horizontal. Uns defendem o seu direito de propriedade e de desenvolver uma atividade que lhes permita retirar um proveito económico quase instantâneo e os demais condóminos defendem o seu direito ao sossego, à tranquilidade e à segurança, não querendo ter pessoas estranhas a entrar e a sair constantemente do prédio onde habitam.
Já todos nos deparámos com a dicotomia entre os benefícios da invasão de turistas, com o consequente aumento da oferta de estabelecimentos de alojamento local, oportunidades de trabalho, aumento de receitas e muito acentuadamente o aumento da recuperação do parque imobiliário degradado e os incómodos constantes de entradas e saídas a altas horas da noite, aumento exponencial de lixo, o barulho constante das rodas das malas a bater na calçada portuguesa, as gargalhadas nas escadas e as festas.
Quem vive lado a lado com habitações transformadas em hotéis temporários para turistas tende a defender que os benefícios não são assim tão significativos que justifiquem os incómodos diários dos habitantes provocados pelos turistas.
Em face destas posições conflituantes, questionamo-nos se os direitos dos proprietários ou dos arrendatários de longo prazo não deveriam ser protegidos face à invasão turística ou se na realidade a reabilitação de bairros quase abandonados não nos faz querer implementar medidas que permitam balancear posições.
Numa tentativa amenizadora, a Lei n.º 62/2018 veio impor as tão faladas “zonas de contenção”, permitindo aos municípios limitar o número de licenças de alojamento local em determinados bairros das cidades. Por exemplo, em Lisboa, no Bairro Alto, Madragoa, Alfama, Castelo e Mouraria já foram suspensas as licenças de alojamento local. Pese embora a suspensão das licenças nestes bairros lisboetas, tal não teve um impacto significativo no dia a dia dos moradores, pois a corrida desenfreada às licenças de alojamento local antes da entrada em vigor deste diploma legal fez com que o limite estivesse já largamente ultrapassado nesse momento.
Esta Lei visou responder às maiores preocupações dos moradores dos prédios onde funcionam alojamentos locais em diversas frações autónomas. Veio permitir que o condomínio possa impor aos proprietários destas frações uma contribuição adicional de até 30% do valor da quota anual respetiva, obrigando a que as regras do condomínio sejam disponibilizadas aos turistas em várias línguas. Veio impor ao proprietário a contratação de um seguro que garanta os danos patrimoniais diretamente causados por incêndio na ou com origem no alojamento local.
Por outro, veio exigir a autorização dos condóminos para a instalação de hostels em edifícios constituídos em propriedade horizontal.
Finalmente, e talvez a medida mais relevante, esta Lei veio possibilitar que a assembleia de condomínio possa deliberar, por mais de metade da permilagem do edifício, opor-se ao exercício da atividade de alojamento local, quando exista a prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio ou que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos, participando tal facto ao município. Por sua vez, o município poderá determinar o cancelamento do registo do alojamento local por um período que pode ir até um ano.
Aparentemente, estas novas medidas parecem não ter apaziguado os ânimos entre os interesses conflituantes, pois, enquanto as associações que representam o setor defendem que estas alterações representam mais limitações, um “retrocesso”, promovendo “conflitos entre vizinhos”, os condóminos defendem que as medidas não são suficientes para acautelar a tranquilidade e segurança dos prédios onde vivem e que o legislador poderia ter ido muito além.
É certo que a crise imobiliária que vivemos fez parar muitos projetos que estavam para nascer em diversos municípios do país, mas também é evidente a retoma neste setor, com projetos a proliferar nos recantos mais remotos no nosso país. E o setor do turismo, em particular, a atividade do alojamento local, tem sido o “motor de aquecimento” do mercado imobiliário em Portugal. Em muitos municípios há um compromisso sério de criar programas de incentivos para unidades hoteleiras e para unidades de alojamento local, fugindo à tendência que se tem verificado nos grandes centros urbanos, muito mais sobrecarregados com o fenómeno do alojamento local.
Sem prejuízo do exposto, e das questões conflituantes que, entendemos, continuarão a existir, é certo que não podemos ignorar os efeitos positivos do alojamento local: só na área metropolitana de Lisboa, a atividade do alojamento local é responsável por mais de dez mil empregos. E os municípios também beneficiam diretamente, e muito, do crescimento desta atividade: o município de Lisboa já lucrou mais de 5 milhões de euros em taxas turísticas só com a plataforma Aibnb.
Segundo a secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) “o setor não é inimigo de ninguém, é amigo da economia”. Na área metropolitana de Lisboa, o setor representa 1% do PIB nacional, com o aproveitamento de “mais de 60% dos imóveis que estavam efetivamente desocupados”.
Parece-nos que devemos ter em mente que o mais importante será sempre manter o equilíbrio, nem sempre fácil, entre proprietários, senhorios e arrendatários, alojador e alojados, e bem assim manter uma certa estabilidade legislativa que não afaste de vez investidores estrangeiros, avessos a incertezas constantes.